segunda-feira, 23 de julho de 2012

A ESCULTURA NO CAMPO AMPLIADO


Mensageiras 1, 2003
Instalação com areia, aço carbono, cimento, cola e papel
18cm (alt) x 280cm (larg) x 210cm (prof)
Trabalho apresentado na calçada da Casa das Rosas durante a manifestação “ROSAS SIM” em 2003, e na I Exposição Coletiva da Cooperativa de artistas Visuais do Brasil em Barueri, 2004.


Resumo

Rosalind Krauss, em seu texto A escultura no campo ampliado publicado originalmente em 1979 pela revista October, propõe uma nova abordagem do espaço que ultrapassa radicalmente os limites da noção tradicional da escultura na produção artística tridimensional, como marco da passagem para a pós-modernidade. Este se tornou um texto de referência. Proponho-me aqui a destacar as principais colocações e fazer alguns comentários na tentativa de contribuir com o aprofundamento das reflexões que as questões sobre o espaço suscitam no campo da arte. Ao final, Proponho uma abordagem no estudo dos mecanismos que envolvem as questões espaciais na criação artística, voltada para a natureza da relação entre obra e interlocutor.

Palavras-chave
Arte, produção tridimensional, instalação, espaço, Arquitetura.



Algumas considerações sobre o texto de Rosalind Krauss


Rosalind Krauss, em seu texto A escultura no campo ampliado publicado originalmente em 1979 pela revista October, propõe uma nova abordagem do espaço que ultrapassa radicalmente os limites da noção tradicional da escultura na produção artística tridimensional, como marco da passagem para a pós-modernidade.

Este texto incisivo, no qual Rosalind Krauss coloca suas idéias de modo claro e direto, tornou-se um texto de referência. Longe de pretender combate-lo ou criticá-lo de alguma maneira, me proponho aqui a destacar suas principais colocações com alguns comentários, na tentativa de contribuir com o aprofundamento das reflexões que as questões abordadas suscitam.

A autora questiona em um estilo fluido e sem meias palavras a visão historicista apoiada em relações superficiais, para interpretação dos processos que envolvem a questão espacial nas práticas artísticas. A necessidade de justificar a origem dos procedimentos que marcaram a passagem para a pós-modernidade através de relações cronológicas com o passado, forma esta de apaziguar a insegurança que o novo carrega, ocasionaria conclusões prematuras e inadequadas na identificação dos mecanismos que influenciaram os desdobramentos da história.

Segundo a autora, ao longo dos anos 70, o termo escultura foi utilizado para qualificar uma série de trabalhos heterogêneos, esgarçando o conceito desta categoria e expandindo seu significado sem justificativas adequadas .

“O novo é mais fácil de ser entendido quando visto como uma evolução de formas do passado... confortamos-nos com essa percepção de similitude, com essa estratégia para reduzir tudo o que nos é estranho, tanto no tempo como no espaço, àquilo que já conhecemos e somos.” .

Como exemplo, Rosalind Krauss argumenta que nesta visão historicista, Gabo, Tatlin e Lissitzky foram vistos como precursores da arte Minimal, apesar de colocarem uma significação antagônica nos conteúdos das suas obras: enquanto o construtivismo defendia a “lógica imutável” e a “coerência de geometrias universais” , a arte Minimal considerava que esta geometria era eventual, ditada por fenômenos físicos, e não pela mente .

É certo que a adaptação pode ser menos traumática quando algumas referências preservadas fazem a ponte com o novo. Mas, se a divergência nos conteúdos apontada por Rosalind Krauss do Construtivismo apoiado em uma “lógica imutável ” e “coerência de geometrias universais ” em confronto com a Arte Minimal é certa, seria ela suficiente para negar qualquer outro tipo de afinidade conceitual entre ambas as categorias? Não estariam os construtivistas e os minimalistas respondendo ao vazio deixado pela segunda guerra e pela crise ética que emergiu? As formas construtivistas (o nome já revela) visam uma reconstrução na busca de uma ordem após o caos. Esta ordem também presente nas obras de Donald Judd e Karl André, talvez não traduza apenas uma necessidade de re-estruturação do mundo, mas a busca em si do significado das coisas.

Segundo Rosalind Krauss, quando na produção tridimensional o uso do termo escultura parecia ter alcançado seus limites, genealogias de culturas milenares tais como as pré-colombianas e Stonehenge foram indevidamente utilizadas para legitimar novas formas de expressão como esculturas. Da mesma maneira, obras do início do século XX tais como a Coluna sem fim de Brancusi também serviram de mediação entre passado e a produção daquele momento, tornando a categoria escultura cada vez mais obscura, até fazê-la entrar em colapso .

A autora observa que esta categoria não é universal, mas ligada à história, à lógica do monumento. Ela funciona como marco espaço-temporal e carrega uma simbologia sobre o lugar à qual se destina, mediando-o ao signo que representa. Por isso costuma ser figurativa, vertical, estar apoiada em um pedestal. A lógica do monumento começou a ser quebrada com as obras recusadas Portas do Inferno e a estátua de Balzac no final do século 19, quando Rodin ao dar vazão à subjetividade em detrimento dos desejos daqueles que lhe tinham feito a encomenda, subtraiu o lugar de destino das obras .

Abriu-se um novo campo de exploração a partir de então, característico da produção escultórica modernista. Há a perda do lugar do monumento que absorve o pedestal para si e transforma-se em um marco sem lugar fixo, de significado e função variáveis, algo abstrato e auto-referencial. O monumento adquiriu neste momento, como define a autora, uma “condição negativa” .

“A respeito dos trabalhos encontrados no início dos anos 60, seria mais apropriado dizer que a escultura estava na categoria de terra-de-ninguém: era tudo aquilo que estava sobre ou em frente a um prédio que não era prédio, ou estava na paisagem que não era paisagem.” .

Rosalind Krauss admite a existência de “um certo interesse ” nos termos “não-paisagem ” e “não-arquitetura ”, mas considera que eles revelam uma condição negativa da produção escultórica, neste momento de transição, suspensa entre o construído e o não construído, entre o cultural e o natural.

“... a escultura assumiu sua total condição de lógica inversa para se tornar pura negatividade,... deixou de ser algo positivo para se transformar na categoria resultante da soma da não-paisagem com a não-arquitetura ”.

Este campo de exploração da escultura esgota-se por volta de 1950. A partir do final dos anos 60 os escultores voltam suas produções para os limites externos destas “não” categorias que encaradas em seus opostos, recuperam sua forma positiva. A não-arquitetura é a paisagem e a não-paisagem é arquitetura .

As noções de paisagem e arquitetura se aproximam: “Labirintos e trilhas são ao mesmo tempo paisagem e arquitetura ”. Isto obriga a repensar o significado e a abrangência do termo escultura já que os lugares destinados a rituais nas antigas civilizações e os jardins japoneses, neste caso, também deveriam no passado ter sido incluídos nesta categoria. A não inclusão destaca a diferença entre as duas formas de produção. O termo escultura caracteriza um determinado tipo de expressão tridimensional que não deveria incluir os labirintos, e as trilhas, do mesmo modo que não incluíram os jardins japoneses e os locais de praticas de rituais.

Rosalind Krauss, ao apontar esta situação do final dos anos 60, quando não se sabia ainda ao certo onde encaixar as novas produções como Land Art, e Site specific, responsabiliza a mentalidade historicista em seu afã de estabelecer um vínculo com o passado dentro de uma lógica linear que justificasse as transformações da produção artística tridimensional, por esta confusão. A autora chama de campo ampliado a noção de espacialidade utilizada na produção artística, culturalmente já praticada no passado, porém inovadora dentro do campo da arte. Ela vê este momento como um ponto de virada no qual o modernismo, com a práxis definida pelo meio de expressão, é deixado para trás. Inicia-se o pós-modernismo interessado nas operações lógicas que incorporam a mescla de diversos meios .

Se o termo escultura remete a um tipo de produção que não inclui a abordagem tridimensional contemporânea, conforme enfatizou a autora, cabe sinalizar que Rosalind Krauss também se vale de um resgate do passado para observar que os jardins japoneses e locais de praticas de rituais pertenciam a uma categoria similar aos labirintos e trilhas. Ou seja, estabelecer relações cronológicas com os processos artísticos, pode efetivamente ser um conforto, mas tomando-se precauções para evitar conclusões precipitadas, também é um recurso fundamental para que a interpretação dos processos artísticos seja constantemente atualizada de acordo com as transformações sociais. Susan Buck-Moss em seu texto Walter Benjamin: entre moda acadêmica e Avant-garde, alerta para a transitoriedade do sentido histórico:

“O sentido histórico é transitório, dependendo não tanto do passado, como do presente, do estado real das coisas. Assim, a história não pode ser abordada como um exercício acadêmico, como se dissesse respeito a uma raça de humanóides que existiram uma vez em Marte. Estamos na história e seu tempo não acabou. Fazemos a história em ambas as direções temporais, passado e presente. O que fazemos ou não fazemos cria o presente; o que sabemos ou não sabemos, constrói o passado. Essas duas tarefas estão inextricavelmente vinculadas no sentido de que o modo como construímos o passado determina a nossa compreensão do curso presente.” (BUCK-MORSS, 1998, p.43).

Foster em seu texto Archives of modern art ressalta a distinção na forma como o modernismo foi visto e compreendido no pós-modernismo e como ele é visto e compreendido hoje. Se os documentos e vestígios, se as informações contidas nos arquivos da historia permanecem, as interpretações variam segundo o olhar da época e suas configurações. O confronto da critica com a produção permitiu novas interpretações sobre este período. O autor comenta a visão de Foucault sobre o papel do arquivo como sistema que governa a aparência dos enunciados e reúne memórias necessárias ao estudo da pratica artística, da função museológica e da historia da arte. Foster acredita que a história da arte nasceu de uma dinâmica entre crises causadas pela fragmentação e reificações de tradições em processos de remontagem e reanimação (FOSTER, 2002). Ao confrontar visões dialéticas no período entre 1850 e 1950 e relacioná-las às esferas da pratica, da critica e da historia no campo da arte, ele ressalta as transformações do pensamento e destaca a possibilidade de novas interpretações sobre os arquivos da arte moderna.

Voltando ao texto de Rosalind Krauss, no final dos anos 60 a combinação de paisagem e não-paisagem é muito utilizada pelos artistas. O termo site specific passa a ser empregado para classificar produções como a Spiral Jetty (1970) de Smithson, produções de outros artistas tais como Serra, Morris, Carl Andre e Christo. Os primeiros a se interessar pelo binômio arquitetura / não-arquitetura foram Robert Irwin, Sol LeWitt, Bruce Nauman, Richard Serra e Christo. A exploração do campo ampliado na passagem para o pós-modernismo trouxe uma ruptura tanto das práticas artísticas quanto dos meios de expressão .

Proponho como possível abordagem no estudo dos mecanismos que envolvem as questões espaciais no campo da arte, adicionar como parâmetro, o tipo de contato que se processa entre a obra e o interlocutor, no que diz respeito à posição e escala de um em relação ao outro. Enquanto a escultura atuava no campo da representação e por isto necessitava impor uma distância entre ela e o público, sujeito e objeto não compartilhavam do mesmo espaço. O sujeito estava fora da obra. Já, no final dos anos 60, a necessidade de incluir-se dentro do trabalho de modo a experimentar uma vivência ao invés de permanecer no nível da representação, aproxima o indivíduo do espaço e da obra. Desde então, jardins japoneses e locais destinados a rituais passam a pertencer à mesma categoria ocupada pelas trilhas e labirintos apontados por Rosalind Krauss. Isto propicia uma multiplicação de instalações e vivências interativas com o público. Pergunto então, de que maneira estas mudanças na relação dentro x fora entre obra e público no campo da arte interfere na leitura e interpretação do meio pelo ser humano, e como este procedimento pode contribuir para amenizar os conflitos apontados por Milton Santos entre o homem e o espaço?


Bibliografia

BUCK-MORSS, Susan. Walter Benjamin : entre moda acadêmica e Avant-garde.
Consulta em 15/06/2009

FOSTER, Hal. Archives of modern art.
Consulta em 15/06/2009

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. In: Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Edusp, 2007.

Um comentário:

  1. Monique, feliz de encontrar teu texto. Ótima reflexão.
    Abraço Stela Maris

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