terça-feira, 24 de julho de 2012

ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA É UMA ALTERNATIVA?

RESUMO

Este artigo tem o propósito de refletir sobre os mecanismos de aprendizagem e propor a experiência artística como medida criativa para convocação dos mesmos, em favor de um desenvolvimento sustentável. O quê se investiga aqui não são os mecanismos de aprendizagem em arte, mas pela arte. O texto se apoia nas colocações feitas pelos palestrantes da mesa redonda Educação para o Desenvolvimento Sustentável do evento C40 São Paulo Climate Summit em 2011. A seguir, são apontadas iniciativas de alguns artistas cujas produções abordam questões socioambientais. São eles: Darya von Berner, Yann Arthus-Bertrand, Hans Haacke, Frans Krajcberg, Cildo Meireles, Vik Muniz, Eduardo Srur e Hugo Fortes. O texto se encerra com uma breve apresentação do projeto poético Mensageiras, concebido pela autora.

Palavras chave: arte, aprendizagem, educação, desenvolvimento sustentável, C 40.


ABSTRACT:
This article aims at examining learning mechanisms and proposing the concept of artistic experience as a creative means of prompting such mechanisms into supporting sustainable development. It investigates the learning mechanisms through Art, rather than in Art. The text draws material from statements made by participants of the round table entitled Education for Sustainable Development at the event C40 São Paulo Climate Summit, in 2011. Below are initiatives by a few artists whose productions address social environmental issues. They are: Darya von Berner, Yann Arthus-Bertrand, Hans Haacke, Frans Krajcberg, Cildo Meireles, Vik Muniz, Eduardo Srur, and Hugo Fortes. The text ends with a brief presentation on the poetic project Mensageiras (Messengers), conceived by the author.[i]


Key words: art, learning, education, sustainable development, C 40.



Este artigo tem o propósito de refletir sobre os mecanismos de aprendizagem e propor a experiência artística como medida criativa para convocação dos mesmos, em favor de um desenvolvimento sustentável. O quê se investiga aqui não são os mecanismos de aprendizagem em arte, mas pela arte. O texto se apoia nas colocações feitas pelos palestrantes da mesa redonda Educação para o Desenvolvimento Sustentável do evento C40 São Paulo Climate Summit em 2011.
Milton Santos, nos anos 70 antecipou a problemática atual que envolve homem e espaço, destacando este último como ponto nevrálgico nos conflitos da era pós-moderna. O autor enxergou os reflexos na geografia do planeta dos problemas que já se desenhavam naquele momento histórico. Em sua publicação Pensando o Espaço do Homem[ii], discutiu as relações entre o ser humano e seu meio e definiu o espaço como a “soma dos resultados da intervenção humana”. Dirigindo a produção para interesses distantes e minoritários, o individuo tornou-se estranho ao seu espaço, não se reconhece mais como pertencente a ele[iii]. Capra em 1882 também alertou para os riscos que o descompasso entre os avanços na compreensão da fisiologia do mundo e os modelos empregados nas práticas sociais, políticas e econômicas representava[iv].
As ciências exatas, humanas e biológicas têm se aplicado em investigar as causas das transformações na biosfera, das catástrofes naturais, das devastações e desastres ecológicos, do incremento da violência das cidades, da diminuição de recursos hídricos e energéticos, da miséria e do incremento de incidência de doenças psíquicas e emocionais. Hoje as distâncias não nos protegem mais de catástrofes provocadas diretamente ou indiretamente pela ação do homem, tais como o aquecimento global, os acidentes nucleares de Tchernobil e Fukushima. As guerras, os riscos futuros de escassez nos recursos hídricos, as projeções que alertam sobre a falta de energia e alimento, são uma realidade.
Nossa sobrevivência depende de nos mantermos atentos, flexíveis, nos transformarmos e reorganizarmos nossa sensibilidade e percepção, adequando-nos constantemente às reconfigurações do espaço e do tempo.
O C40 é uma conferência internacional que ocorre a cada dois anos e reuniu em 2011 na cidade de São Paulo, prefeitos de mais de 40 cidades do mundo. O objetivo é discutir projetos sustentáveis preocupados com qualidade de vida e humanização das metrópoles e promover com isso diálogos, unir forças através de ações conjuntas entre empresas, administrações públicas e a sociedade. São Paulo foi a primeira cidade do hemisfério sul a sediar o evento. A mesa redonda Educação para o desenvolvimento sustentável[v] versou sobre a necessidade de mobilização por parte das instituições de ensino em busca de recursos criativos multidisciplinares para elaboração de programas de conscientização da população sobre as questões que envolvem sustentabilidade.
Foram apontados durante o evento alguns problemas provocados pela ação predatória do ser humano. Dentre eles, estão o incremento de favelas, as mudanças climáticas e o aumento de cidades pobres em situação de risco. Os níveis de dióxido de carbono na atmosfera terrestre aumentaram aproximadamente 30% nos últimos 200 anos. Foram destruídas mais de 80% das florestas naturais, e 20 a 30% das espécies vegetais e animais poderão se extinguir se a temperatura global aumentar mais que 1,5 a 2,5 o C[vi].
Um debate internacional, preocupado com estas questões vem moldando uma cultura de paz. As inúmeras transformações tecnológicas estão mudando os valores e introduzindo novas exigências éticas. Pensar o uso das novas tecnologias de forma favorável aos preceitos sustentáveis e promover um diálogo científico de aprendizagem  acessível ao maior numero de pessoas possíveis são algumas medidas apontadas. É recomendável que todos os setores da sociedade estejam envolvidos e integrados no desenvolvimento de programas de organização e de gestão, adequados a nova realidade. Recomenda-se investir em uma educação mais formadora e não apenas informadora para o desenvolvimento sustentável e para uma cultura de paz. É necessário atualizar os métodos e agir de forma interdisciplinar e holística dentro de uma dimensão ética. Estas ações demandam a criação de situações vivenciais de encontro entre as pessoas dentro de espaços compartilhados, de acordo com uma lógica calcada no esforço conjunto para concepção de projetos coletivos. Não podemos perder de vista nossa natureza coletiva. Devemos conduzir nossas prioridades individuais em direção ao bem estar comum. Uma “sociedade aprendente”[vii] deve incluir uma multiplicidade de formas de aprendizagem, estar atenta às novas demandas que envolvem situações de interatividade, mobilidade, conversibilidade, conectividade, diversidade e “globalismo”. O desenvolvimento sustentável demanda uma abordagem sistêmica (não fragmentada) de mecanismos de aprendizagem social onde há integração da lógica à emoção. Miriam Vilela destacou o fato de que a educação só é de fato transformadora quando a esfera sensível e afetiva do sujeito é alcançada no processo de aprendizagem.[viii]
Há uma necessidade fundamental em todo indivíduo de partilhar a experiência estética da humanidade. Em 1969, a publicação da UNESCO “Les arts et La vie” já chamava atenção para o papel da arte como agente transformador na sociedade[ix]. Segundo esta, a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas estabeleceu que “todo indivíduo tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade e de desfrutar das artes”[x]. Para o historiador e crítico de arte inglês Herbert Read, a arte e a sociedade não são dissociáveis. Arte é uma força de coesão social cuja ausência poderia trazer um golpe fatal à civilização. Ele propôs “a arte pela educação”[xi]. Compactuamos com a afirmação de Miriam Vilela de que a emoção é um elemento essencial na aquisição de valores e contribui de forma radical na apreensão de conteúdos e princípios de sustentabilidade. A experiência transformadora é a que emociona. Nas práticas educativas, é, portanto, essencial integrar o fator emoção à lógica e ao intelecto.
Estes aspectos qualificam a arte como um recurso de valor que não deve ser negligenciado em programas de aprendizagem[xii] para um desenvolvimento sustentável. A força de uma obra artística esta justamente na junção de seu caráter sensível e poético aos seus conteúdos e significados. Seu poder de transformação lhe confere também um caráter político-social.
A atualização constante nos modos de ver, dos valores e das formas de interagir com o nosso meio são o primeiro passo nos processos de assimilação de novos conteúdos, capazes de promovem reformulações sociais e reconfigurações do espaço.
Um exemplo de produção artística que através da poética se propõe a investir na construção de uma consciência coletiva mais sustentável é o trabalho recente da artista espanhola Darya von Berner, Internation Cloud Flag[xiii]. A obra foi montada em janeiro 2012 no Palácio da Paz em Haia, na Holanda, local que abriga o Tribunal Internacional de Justiça, principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas, e o Tribunal Permanente de Arbitragem. O projeto tem curadoria de Tom van Vliet (1953), historiador e curador especializado em mídias digitais, idealizador do World Wide Video Festival e diretor da World Wide Video Foundation até 2004. Trata-se de uma nuvem de verdade que se assume como bandeira[xiv]. A artista reverte o significado territorial contido neste símbolo nacionalista que é uma bandeira, e propõe pensar o mundo de uma maneira mais holística e generosa, sem posses e sem fronteiras. A nuvem foi obtida com a ajuda de tecnologia inovadora de nebulização que envolve alta pressão para nebulização de água em micropartículas que flutuam no ar. O mastro emite luz de modo a aumentar a visibilidade das gotas de água. Tanto os significados contidos no trabalho, como sua concepção e estrutura física envolvem processos sintonizados não só com uma elevada consciência político-social, mas também ambiental e ecológica[xv].






Darya Von Berner, International Cloud Flag
Registros da obra em funcionamento na entrada do Palácio da Paz em Haia, Holanda, 2012.


Outro exemplo de obra é a videoexposição 6 bilhões de outros de Yann Arthus-Bertrand com a fundação GoodPlanet, apresentada no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 2011. A fundação foi criada em 2005 pelo artista com o propósito de sensibilizar e educar o público para a proteção ambiental.
“A Fundação GoodPlanet convida a todos a um modo de vida respeitoso para com a Terra e seus habitantes. Ela busca encorajar cada indivíduo a agir pelo planeta, apoiada por uma série de programas em constante desenvolvimento, esforçando-se para aumentar a consciência ecológica.” (6 BILHOES DE OUTROS, 2011)
O Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia de Madrid abriu em fevereiro deste ano 2012, retrospectiva do artista alemão Hans Haacke. Dentre as peças exibidas, encontra-se a obra Grass Grows (1967-1969), um díptico da vida orgânica e detritos da sociedade[i]. Para execução do trabalho o artista plantou grama em um monte de terra dentro do espaço expositivo. Haacke foi um dos primeiros artistas contemporâneos americanos a investigar questões ecológicas através da arte[ii].
No Brasil, já desde alguns anos, diversas produções vêm abordando a temática ambiental. Uma delas é a obra consistente de Frans Krajcberg (1921), totalmente engajada na defesa pelo meio ambiente. Polonês, naturalizado brasileiro, já nos anos 70 assumiu esta postura ecológica. Fotografias de desmatamentos e queimadas realizadas durante viagens pela Amazônia e Mato Grosso, esculturas com troncos e raízes queimados, são denúncias dramáticas das agressões que vêm sendo feitas em inúmeras regiões do nosso país[iii]: “Grito contra as injustiças e a violência contra a vida, contra o homem, contra a natureza” (KRAJCBERG)[iv].
Inúmeros outros artistas que nem sempre tiveram ao longo de sua trajetória um direcionamento tão engajado na vertente socioambiental, cada vez mais se debruçam sobre o assunto. Diversas iniciativas tais como produções de Cildo Meireles, Vik Muniz, Eduardo Srur e Hugo Fortes dentre muitos outros, comprovam a incidência crescente de artistas interessando-se e envolvendo-se com as discussões sustentáveis.
Cildo Meireles apresentou em 2011 no Itaú Cultural a instalação sonora inédita Rio oir. Concebida em 1976, é extremamente atual. Versa sobre a água, tema presente em todas as discussões socioambientais nacionais e internacionais, em função das projeções negativas para o futuro no abastecimento de recursos hídricos. O artista fez um percurso com sua equipe em quatro áreas banhadas pelas águas do interior do Brasil e registrou toda a experiência com imagens, com anotações cartográficas, mas principalmente com captação de sons da água na natureza. Na instalação sonora Cildo Meireles através de sua obra nos convida a ouvir e sentir o curso vital das nossas águas. Em entrevista concedida ao curador Guilherme Wisnik lamenta a situação dos rios brasileiros:
“Se eu fosse tentar sintetizar o que aconteceu nesse processo, diria duas coisas: encontramos nascentes natimortas, o que foi muito impactante; e, em decorrência disto, a percepção de que muito em breve todas as águas fluviais do Brasil serão, de certa forma, residuárias, pois elas já estão sendo conspurcadas na fonte. O caso do Rio São Francisco talvez seja o mais emblemático, um rio que se tornou muito doente nas últimas décadas. O que não quer dizer que isso não esteja acontecendo também nos rios da Amazônia, que já estão, em boa parte, altamente contaminados por substâncias como o mercúrio, ou sendo impactados pelas hidrelétricas.” (MEIRELES, 2011.).
Rio oir nos faz constatar que riquezas naturais estão desaparecendo. Em seu depoimento, o fotógrafo Edouard Fraipont que acompanhou a expedição também desabafa: “Fotografar a natureza é importante para não nos esquecermos de que ela ainda existe.” (FRAIPONT, 2011.)[v].
Em 2010, o documentário Lixo Extraordinário sobre a obra de Vik Muniz, dirigido por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, levantou reflexões sobre problemas tais como exclusão social, ambientes e condições de trabalho insalubres. O filme revela a preocupação social do artista e o passo a passo de seu processo criativo. Durante três anos, Vik Muniz acompanhou a rotina dos catadores de lixo do Jardim Gramacho no Rio de Janeiro, maior aterro sanitário da América Latina, e tinha como propósito usar em suas obras o que era descartado por eles. Fotografou os catadores, escolhendo-os por suas histórias de vida, projetou as imagens no chão em grandes formatos e convidou-os a construir suas próprias imagens com o lixo que recolhiam. Todo o processo foi documentado até o leilão de suas obras cuja renda reverteu aos catadores. O filme foi indicado ao Oscar na categoria de documentário, e ganhou em 2010 o prêmio americano de melhor documentário da International Documentary Association e o prêmio de melhor documentário do Festival de Berlim[vi].
A produção bem humorada de Eduardo Srur, artista paulistano que desde 2002 atua produzindo intervenções urbanas, é também claramente engajada. Uma série de trabalhos vem configurando seu interesse e preocupação com as questões ambientais. Em 2008 colocou vinte garrafas coloridas de 11 metros de comprimento nas margens do rio Tietê compondo a instalação PETS. Depois do término da exposição, o material plástico foi reaproveitado e utilizado para confecção de mochilas ecológicas que foram distribuídas a estudantes da rede pública. No mesmo ano Eduardo Srur vestiu diversas estátuas paulistanas com coletes salva vidas alaranjados. Deu à obra o nome de Sobrevivência[vii]. Neste momento, o artista apresenta a obra, Labirinto em três parques públicos da cidade de São Paulo: o Parque Villa-Lobos, o Parque da Juventude na zona norte e o Parque Ecológico do Tietê na zona leste. Em cada local, Eduardo Srur coloca o público frente a frente com trinta toneladas de lixo composto de resíduos sólidos. Fardos de diversos materiais tais como garrafas PET, plásticos, alumínio e tetrapack, captados, separados por tipo e depois prensados no intuito de serem transformados em novos produtos, constituem as paredes de um labirinto[viii]. Estes são exemplos de alguns dos diversos trabalhos que Eduardo Srur vem mostrando no Brasil e no exterior[ix]. Segundo ele: “Acredito que a arte tenha esse poder: provoca, conscientiza e educa a população de uma forma direta.” (VEIGA, 2012.).
Hugo Fortes, artista e curador, concebeu, coordenou e organizou o I Seminário Internacional Arte e Natureza, que contou com a participação de teóricos e artistas. Palestras, mesas redondas, uma exposição de arte contemporânea e uma mostra de videoarte compuseram a programação do evento. Dentre os convidados estavam o Prof. Dr. Martin Ullrich, diretor da Hochschule für Musik Nürnberg (Escola Superior de Música de Nuremberg), a Profa. Dra. Jessica Ullrich, da Universität der Künste Berlin (Universidade das Artes de Berlin), os artistas Nuno Ramos, Caio Reisewitz, e Gilbertto Prado. O intuito desta iniciativa que se insere no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA USP) da Universidade de São Paulo, foi o de discutir as formas com as quais o homem contemporâneo se relaciona com a natureza[x].
Transcrevemos abaixo um trecho extraído do programa do seminário veiculado pela internet: “A arte como forma de conhecimento sensível, oferece sua contribuição para a tomada de consciência das possibilidades e das dificuldades de relacionamento do homem com o ambiente.”[xi]
As intervenções urbanas e as produções cinematográficas tais como as intervenções de Eduardo Srur e com o filme Lixo Extraordinário são estratégias que ultrapassam os limites dos espaços protegidos da arte e colocam-se em diálogo ou confronto com um publico geral, muitas vezes leigo, aproximando-o e trazendo-o para dentro do universo da arte.
O projeto Mensageiras se propõe também a contribuir com as investigações sobre a relação do homem com seu espaço e alteridade.
Trata-se de uma ação, um work in progress[xii] que associa educação, sustentabilidade e arte. As versões iniciais foram concebidas para a exposição de arte pública Sculpture by the Sea em Sydney, Austrália. A primeira, Mensageiras I, serviu de protótipo para a curadoria da exposição, e posteriormente foi exibida em São Paulo. O trabalho foi selecionado e a obra Mensageiras II apresentada no mesmo ano na Austrália. Uma revoada de borboletas brancas propunha reflexão sobre valores essenciais da humanidade. Elas iniciavam seus voos, cada qual para uma das nações do mundo, levando consigo a paz e enfatizando o direito à liberdade e a necessidade de preservar a harmonia com a natureza.
Monique Allain, Mensageiras I, 2003.
Instalação pública com areia, aço carbono, cimento, cola e papel - 280cm x 210cm x 18cm.
A participação do público e a inclusão de procedimentos educativos ocorreram a partir da terceira etapa do processo, com a intervenção Mensageiras III no Parque Buenos Aires em 2009, para a exposição Oxigênio. O projeto evoluiu como intervenção pública com ocupação participativa em área verde da cidade de São Paulo. O trabalho dependeu do envolvimento coletivo do público para acontecer. Um único “canteiro” de sacos plásticos brancos em uma área do parque aguardava a intervenção das pessoas para se transformar em uma paisagem viva e afetiva, em um espaço que produz oxigênio. As pessoas foram convidadas a trazer um vaso de flor branca e trocar um saco pelo vaso. Durante as semanas em que a exposição aconteceu, houve uma transformação progressiva da obra. O local tornou-se um ponto de intersecção entre os visitantes do parque, lugar de encontro e troca. No último dia, pessoas que estavam no parque ofereceram a outras, muitas vezes desconhecidas, os vasos que compunham a instalação. A ação foi registrada em vídeo e fotografia.
Monique Allain, Mensageiras III, 2009.
Registro da intervenção urbana no Parque Buenos Aires - 15m de diâmetro.
Em 2010, também no Parque Buenos Aires na segunda edição da exposição Oxigênio, houve mais um desdobramento. A intervenção Mensageiras IV foi realizada de modo semelhante à anterior. Um canteiro de possibilidades constituído por sacos plásticos brancos aguardava desta vez o plantio e a adoção por parte dos frequentadores do parque, de uma muda nativa ameaçada de extinção. Os locais de plantio e a espécie Euterpe edulis (palmito Jussara) da Mata Atlântica foram determinados previamente com aprovação da administração do parque.
Monique Allain, Mensageiras IV, 2010.
Registros da intervenção urbana no Parque Buenos Aires – 30 m de diâmetro
Monique Allain, Mensageiras IV, 2010.
Registro da intervenção urbana no Parque Buenos Aires – 30 m de diâmetro

Os participantes inscreveram sobre as pedras que seguravam os sacos plásticos seus nomes e o de pessoas a quem queriam dedicar às plantas, e colocaram-nas aos pés das mudas. Depois que foram todas plantadas, as “adoções” e “dedicatórias” continuaram e muitas outras pedras foram se acumulando nos pés das mudas privilegiadas com múltiplos padrinhos. As plantas permanecem até hoje no parque e funcionam como um.
Este trabalho se propôs a funcionar como um piloto a ser implantado nas áreas verdes de São Paulo. A ideia é transformá-las em bancos de espécies para as gerações futuras, em abrigos e locais de preservação de plantas nativas ameaçadas de extinção, e envolver a população local neste processo de modo a promover uma conscientização da necessidade de preservação ambiental. O público, ao vivenciar, dialogar e interagir ativamente se reconhece no local e esta situação favorece a formação de vínculos com o espaço e com a alteridade. O parque torna-se um local de cumplicidade e encontro, um local de construção a ser compartilhado.
A Secretaria do Verde, pensando em maneiras de melhorar as condições sanitárias e a qualidade de vida de populações carentes que habitam próximo a cursos de água geralmente contaminados pelos dejetos produzidos pelas ocupações ilegais, se propôs a criar um modelo de parque a ser posteriormente implantado em múltiplas localidades. A ideia é utilizar as áreas próximas dos córregos e, com o envolvimento da população local, transformá-las em Parques Lineares. O projeto Parque Linear do Jaguaré é um piloto que a Secretaria está implantando na Subprefeitura do Butantã. O processo está sendo acompanhado para concepção e realização do projeto Mensageiras V, uma intervenção pública e participativa com ocupação definitiva que servirá de modelo para realização em outras áreas da cidade. Procuramos sincronizar a concepção e produção da intervenção artística com os esforços e a atuação da Secretaria, e associar estas iniciativas a um programa educativo socioambiental.
O projeto Mensageiras e as obras apresentadas como exemplos mostram o envolvimento por parte da comunidade artística nas questões e desafios que o tema “sustentabilidade” abarca.
A arte é um poderoso agente transformador da sociedade. Seu alcance se amplia quando abordada interdisciplinarmente. Integrada a programas educativos voltados para a apreensão de valores e para a adoção de uma postura sustentável, é uma alternativa de grande potencial. O artista é um proponente. Esta constatação não constitui uma novidade. Hélio Oiticica em 1967 já havia ressaltado que o artista participa de sua época com o papel de “proposicionista”, “empresário” ou “educador”[i]. Ao interpretar o mundo com sua percepção própria, ao materializar em sua obra sua subjetividade, transmite como vê este mundo, suas dúvidas, críticas e questionamentos. Ele promove reflexões que possibilitam mudanças de paradigmas, atualizações na compreensão das dinâmicas espaço-temporais e nas relações com o outro.
Arte e vida são inseparáveis. Se a arte está no quotidiano e se pronuncia frente aos desafios do seu espaço e do seu tempo, sustentabilidade hoje é um assunto que não pode estar fora da sua pauta. A inclusão de temas que relacionam arte, sustentabilidade e educação, tanto nos eventos voltados para a comunidade artística como para os promovidos pelos educadores e pesquisadores socioambientais, favorece o diálogo entre estas áreas, possibilita ações conjuntas e amplifica o potencial agenciador das mesmas.
Suely Rolnik defende a arte, forma de expressão, de produção de linguagem e de pensamento, como uma possível alternativa de agenciamento, contágio e transformação: “O exercício do pensamento/criação tem, portanto, um poder de interferência na realidade e de participação na orientação de seu destino, constituindo assim um instrumento essencial de transformação da paisagem subjetiva e objetiva.” (ROLNIK, 2006, p. 3).


[i] OITICICA, 1967.

Referências
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Editora Cultrix, 1982.
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Eduardo Srur. Disponível em: <http://eduardosrur.tumblr.com/>. Acesso em 12/03/2012.
Eduardo Srur. Disponível em: <http://barogaleria.com/artista/eduardo-srur-3/>. Acesso em 12/03/2012.
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KRUG, Don; SIEGENTHALER, Jennifer. Changing Views About Art and the Earth. Disponível em: <http://greenmuseum.org/c/aen/Earth/Changing/artist.php>. Acesso em 12/03/2012.
“Lixo Extraordinário” expõe Vik Muniz como artista e cidadão. Disponível em:
<http://cinema.terra.com.br/mostra-internacional-de-cinema/34/noticias/0,,OI4752530-EI16958,00-Lixo+Extraordinario+expoe+Vik+Muniz+como+artista+e+cidadao.html>. Acesso em 11/03/2012.
MASP. 6 bilhões de outros. Folder da exposição. 2011.
MEHROTRA, Shagun. Climate changes and cityes: knowledge for action. Material de apresentação fornecido pelo palestrante. 2011.
MOLINA, Camila. Castelos de areia de Haacke. In: O Estado de São Paulo, 26 de fevereiro de 2012.
OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. 1967a. In: COTRIM, Cecília; FERREIRA, Glória. Escritos de Artistas: anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
ROLNIK, Suely. Geopolítica da Cafetinagem [2006]. Disponível em: <http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Geopolitica.pdf. Acesso em 12/11/2010>.
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I Seminário Internacional Arte e Natureza. Disponível em: <http://www.seminarioartenatureza.com/>. Acesso em 12/03/2012.


Monique Allain
Artista e pesquisadora, mestre em Artes Visuais pela FASM-SP, bacharel em Artes Plásticas pela FAAP-SP (2007), com Licenciatura em Ciências Físicas e Biológicas (1980) e pós-graduação em Genética (1982) pela USP-RP. Participa do grupo de pesquisa arte&meios tecnológicos (CNPq/FASM). Investiga as relações entre corpo, espaço e alteridade dentro de uma concepção sustentável. Trabalha com imagem digital, instalações e performance.


[i] MOLINA, Camila.
[ii] KRUG, Don; SIEGENTHALER, Jennifer.
[iii] Krajcberg, Frans (1921).
[iv] Frans Krajcberg: o homem, o artista, o gênio.
[v] Depoimentos.
[vi] “Lixo Extraordinário” expõe Vik Muniz como artista e cidadão.
[vii] VEIGA, Edison.
[viii] Eduardo Srur (Site do artista).
[ix] Eduardo Srur (Galeria Baró).
[x] I Seminário Internacional Arte e Natureza.
[xi] Ibid.
[xii] Termo que designa a constituição de uma obra ao longo do tempo.


[ii] SANTOS, 2007.
[iii] SANTOS, 2007.
[iv] CAPRA, 1982.
[v] Participaram da mesa, Shagun Mehrotra, representante do Departamento de Planejamento Urbano da “Graduate School of Art and Sciences” da Columbia University em Nova York, Vincent Defourny, representante da UNESCO em Brasília, Pedro Roberto Jacobi, dirigente de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, e Miriam Vilela, diretora da “Carta da Terra”, Mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard, brasileira radicada na Costa Rica desde a década de 1990. A mesa foi mediada por Rose Marie Inojosa, representando a Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz, UMAPAZ. A “Carta da Terra” é instrumento desenvolvido na década de 1990 que reúne valores discutidos em foros internacionais por especialistas de diferentes áreas. Estes condensam esforços para relatar uma “carta” que servisse como marco ético em direção à sustentabilidade e um instrumento de educação para uma maior conscientização de nossas responsabilidades com o meio e com a alteridade. A “Carta da Terra” é também uma iniciativa de mobilização internacional, uma declaração de princípios éticos e sustentáveis, reconhecida pela ONU, por governos, empresas e ONGs nos cinco continentes.
[vi] Informações transmitidas ao vivo pelos palestrantes.
[vii] Termo empregado por Pedro Roberto Jacobi.
[viii] Informações transmitidas ao vivo pelos palestrantes.
[ix] UNESCO, 1969.
[x] Tradução nossa de: “Toute personne a le droit de prendre part librement à La vie culturelle de La communauté [et] de jouir des arts”. (UNESCO, 1969, p.9).
[xi] Ibid.
[xii] Preferimos utilizar o termo “aprendizagem” no lugar de “ensino” porque acreditamos que a apreensão dos conteúdos não se dá de um transmissor para um receptor. Esta forma de pensar implicaria em uma relação de assimetria entre as partes que nos parece redutora. A incorporação de significado se dá nas trocas que as vivências e experimentações com o “outro” proporcionam.
[xiii] Bandeira Nuvem Internacional (nossa tradução).
[xiv] International Cloud Flag.
[xv] As informações sobre o projeto foram fornecidas pelo curador Tom van Vliet. Contato: <http://www.wwvf.nl/> ou <tomvanvliet@wwvf.nl>. Acesso em 12/03/2012.

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