terça-feira, 24 de julho de 2012

EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Resumo / Abstract

O texto consiste em um relato das colocações de Miriam Vilela[1], Pedro Roberto Jacobi[2], Shagun Mehrotra[3] e Vincent Defourny[4] mediadas por Rose Marie Inojosa[5] na mesa redonda Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Os participantes discorreram sobre os principais desafios socioambientais enfrentados pelas grandes cidades e sobre as iniciativas empregadas na busca de soluções para os problemas apontados. Eles destacaram o papel essencial da educação neste processo, a necessidade urgente de se investir em medidas criativas de aprendizagem e em modos efetivos de aplicação destas medidas para diminuição dos efeitos negativos resultantes do crescimento desenfreado destas cidades. O texto se encerra com uma pequena reflexão sobre as questões colocadas e com a proposição da experiência artística como alternativa nos processos de aprendizagem para a expansão de uma consciência mais cidadã.

INTRODUÇÃO
A mesa redonda Educação para o desenvolvimento sustentável versou sobre a necessidade de mobilização por parte das instituições de ensino em busca de recursos criativos multidisciplinares para elaboração de programas de conscientização da população sobre as questões que envolvem sustentabilidade.
Participaram da mesa, Shagun Mehrotra, representante do Departamento de Planejamento Urbano da “Graduate School of Art and Sciences” da Columbia University em Nova York, Vincent Defourny, representante da UNESCO em Brasília, Pedro Roberto Jacobi, dirigente de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, e Miriam Vilela, diretora da “Carta da Terra” [1], Mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard, brasileira radicada na Costa Rica desde a década de 1990. A mesa foi mediada por Rose Marie Inojosa, representando a Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz, UMAPAZ.

CASOS APRESENTADOS
Shagun Mehrotra – Columbia University
Shagun Mehrotra, representante do Departamento de Planejamento Urbano da “Graduate School of Art and Sciences” da Columbia University em Nova York, iniciou as apresentações, apontando os principais problemas que estão se desenhando na contemporaneidade por conta da ação predatória do ser humano sobre o ambiente. Ele destacou a educação como abordagem essencial para reverter este quadro.
Segundo o First Assessment Report on Climate Change in Cities (ARC3), publicado pela Cambridge University Press, um dos principais desafios para o desenvolvimento sustentável no mundo são o incremento de favelas. Estima-se que em 2050 haverá um aumento de três milhões de pessoas pobres nas cidades. Outro ponto a ser destacado é a constatação de que o clima está remodelando cidades pobres em situações de risco, particularmente na África. Mais um desafio para o futuro é o fato de que as maiores economias do mundo estarão voltadas para um mercado emergente de populações de baixa renda. É essencial que estes aspectos sejam levados em conta na busca por soluções sustentáveis e que as propostas se apoiem em bases cientificas para definição de planos de ação. Sabe-se que as cidades produzem mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa e são extremamente vulneráveis aos impactos provocados pelas alterações climáticas.
No entanto as pesquisas sobre as transformações climáticas têm negligenciado o estudo relacionando-o diretamente à questão urbana, e, no entanto, a maioria da população do mundo é urbana e se concentra nas regiões costeiras ou próximas de rios. ARC3 reuniu mais de 100 autores de mais de 50 cidades no mundo, cientistas de diversas áreas tais como geógrafos, urbanistas, engenheiros, especialistas em política, em questões climáticas, para desenvolver um estudo interdisciplinar sobre as mudanças climáticas nas cidades e as implicações das mesmas, refletindo a necessidade urgente tanto de países desenvolvidos como em desenvolvimento de encarar esta questão de frente.
Vários aspectos envolvendo sustentabilidade foram abordados pelo ARC3. A primeira seção procura determinar um quadro de riscos climáticos, no qual são assinalados pontos de vulnerabilidade nas cidades de Buenos Aires, Delhi, Lagos e Nova York. Através de estudos de observação e de projeção, dados são levantados e inferidos sobre o incremento de precipitações, temperaturas e nível do mar. Na seção seguinte são abordadas as questões que envolvem energia, recursos hídricos, transporte e saúde e sobre as implicações que mudanças climáticas têm sobre estas questões. Reflexões sobre os riscos, sobre os possíveis mecanismos de adaptação enriquecem os conteúdos abordados e uma variedade de exemplos ilustra estratégias adotadas que tiveram resultados interessantes. Na terceira seção, os tópicos abordados são o uso da terra e as políticas públicas. Esta se constitui de um estudo sobre como ocorrem ocupações de zonas específicas, de que modo a densidade populacional interfere no planejamento e na gestão urbana, e de que modo as políticas públicas atuam na tentativa de garantir a adaptação frente às mudanças climáticas.
Os riscos são determinados por uma função entre fatores naturais climáticos, vulnerabilidade física e social das cidades e políticas institucionais que respondem às mudanças climáticas.
Dados de diversas cidades tais como Atenas, Delhi, São Paulo, Shangai, foram colhidos e analisados, e as projeções para 2050 são de incremento de 1 a 4º C.
As cidades constituem laboratórios de inovações com ações de longo prazo. É necessário que abordagens no âmbito global, nacional, municipal e educativo sejam empreendidas.

Vincent  Defourny – UNESCO Brasil 
Vincent Defourny, representante da UNESCO em Brasília, abriu sua apresentação salientando o fato de que coisas importantes no mundo estão acontecendo e têm impactado sobre milhões de pessoas. De acordo com dados da UNICEF, 262 milhões de pessoas foram afetadas por desastres climáticos em 2004. Segundo a IUCN, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera terrestre aumentaram aproximadamente 30% nos últimos 200 anos. Foram destruídas mais de 80% das florestas naturais (World Resources Institute), e 20 a 30% das espécies vegetais e animais poderão se extinguir se a temperatura global aumentar mais que 1,5 a 2,5 o C (IUCN).
Em resposta, um debate internacional, preocupado com estas questões vem moldando uma cultura de paz. Conforme levantamento da UNESCO, de 1968 a 2009, diversos foram os eventos internacionais preocupados em discutir as questões climáticas. O esquema abaixo, fornecido pelo palestrante indica a sucessão destes eventos.

Compartilhar informações e boas experiências constitui medida relevante de estabelecer referenciais e pensar a partir dos mesmos, programas educativos eficientes.
A educação para o movimento sustentável é urgente. Estamos em um momento de crise e necessitamos abordar este desafio de modo interdisciplinar e holístico e neste âmbito, a dimensão ética é essencial. É evidente que a forma como se educa está ultrapassada e necessitamos urgentemente atualizar o paradigma da educação.
É preciso criar um contexto de sustentabilidade com muita qualidade e ao longo da vida. As cidades devem se tornar cada vez mais cidades educadoras, capazes de conversar com todos seus habitantes. Como educadores, devemos tornar “verde” nossa forma de trabalhar; não se trata apenas de ensinar, mas de dar o exemplo em favor de uma cultura de paz. Isto requer a criação de situações de vivência dentro do espaço e de encontro com a alteridade.
Estudiosos vêm se empenhando em descobrir formas eficientes de se abordar a educação sustentável. As políticas públicas voltadas para uma cultura de paz estão diretamente relacionadas com este processo. Alguns se referem à educação sustentável como educação sobre o ambiente, o que se entende por uma busca em se compreender a estrutura e funcionamento do mesmo. Outros falam de educação no ambiente, situação que envolve uma experiência direta com o espaço no momento do aprendizado. Também é importante pensar na educação para o ambiente, incluindo nesta forma de apresentar a questão, uma preocupação no sentido mais amplo de não só buscar entendê-lo, mas também de assumir uma postura responsável de querer protegê-lo. Uma quarta forma de abordar a questão da educação sustentável é pensar a educação a partir do ambiente. Neste caso, o ambiente é um ponto de partida para se apreender conhecimentos. Defourny destaca a importância em se integrar todos estes ângulos na abordagem educativa.
  
Pedro Roberto Jacobi – USP
Pedro Roberto Jacobi, dirigente de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, introduz sua apresentação alertando para o fato de que vivemos em uma sociedade de risco, em decorrência de uma nova realidade globalizada na qual há um aumento de complexidade e incerteza e os riscos estão multiplicados.
Uma série de mudanças está em curso. As formas de transmissão de informação e conhecimento não são as mesmas. Não se trata mais de abordar os assuntos de modo independente, mas interdisciplinar. O trabalho está mudando, há uma série de transformações tecnológicas, existem novas formas de organização e de gestão. Acompanhando todas estas reconfigurações, os valores também estão mudando e novas exigências éticas estão surgindo.
Cabe então questionarmos o que agora está em jogo e procurarmos trabalhar em conjunto na busca de soluções. É fundamental que todos os setores da sociedade estejam envolvidos e integrados no desenvolvimento de programas sustentáveis. A educação em uma sociedade voltada para o conhecimento deve trabalhar com uma nova lógica calcada no esforço conjunto para concepção de projetos coletivos. O processo é composto basicamente de quatro etapas. A primeira investe no ato de “conhecer” e corresponde ao estágio em que a informação é adquirida de modo qualitativo. A segunda, diz respeito ao “fazer” e implica em associar a técnica ao conhecimento. Envolve ações e exige que responsabilidades sejam assumidas. A terceira, “conviver”, se dá apoiada na interdependência e no diálogo com o “outro”. Ela se constrói sobre uma cultura de paz calcada na aceitação das diferenças, na compreensão da riqueza que a diversidade propicia. É então que chegamos à quarta etapa onde o desafio é “ser”, é ter autonomia como indivíduo com uma postura ética em relação à coletividade.
Uma “sociedade aprendente”, termo empregado por Pedro Roberto Jacobi, deve incluir uma multiplicidade de formas de aprendizagem, deve estar atenta às novas demandas que envolvem situações de interatividade, mobilidade, conversibilidade, conectividade, diversidade e globalismo. É essencial que aprendamos a utilizar as novas tecnologias de forma favorável aos preceitos sustentáveis, que se estabeleça um diálogo científico de aprendizagem, e que os conteúdos desta aprendizagem sejam acessíveis ao maior numero de pessoas possíveis. Para tanto, é extremamente útil explorar os recursos de comunicação que as redes sociais e as comunidades virtuais oferecem.
Incorporar os novos paradigmas do conhecimento significa encarar o conhecimento como elemento chave para as transformações necessárias, investir no desenvolvimento de capacidades, reconhecer como prioritária a necessidade de oferecer uma educação de qualidade para a população, não subestimar a complexidade dos processos formativos, e procurar transformar a tecnologia na educação, um fator que ainda é de desequilíbrio em função de uma grande exclusão digital, em algo acessível a toda a população.
Os temas de uma educação sustentável em pauta são: governança ambiental, o papel do estado e da sociedade civil, atores sociais e conflitos de interesse, e finalmente, metodologias de aprendizagem social. A Governança Ambiental, mais do que a gestão do Estado, envolve uma articulação dos agentes econômicos, sociais e civis.
A noção de sustentabilidade implica em definir um conjunto de iniciativas com interlocutores ativos envolvidos com a sociedade e com uma preocupação genuína pelo seu bem estar, através de práticas educativas dentro de um processo de diálogo informado no qual o sentimento de co-responsabilidade e de constituição de valores éticos esteja presente.
O desenvolvimento sustentável demanda uma aprendizagem social. Devemos investigar como as pessoas se tornam mais sensíveis às formas alternativas de conhecer e introduzir nos mecanismos de aprendizagem procedimentos que favorecem esta sensibilização. Para isto, a criação de espaços que estimulem o diálogo, a reflexão prática entre os atores sociais, o aprendizado e a ação coletiva, é de suma importância.
Pedro Roberto Jacobi encerra sua apresentação assinalando aspectos a serem pensados na busca de uma realidade mais sustentável. O primeiro consiste na necessidade de transformação dos modelos mentais frente à crise da biosfera e aos problemas atuais. O segundo corresponde ao desafio que está à frente das instituições de ensino e capacitação na busca de estratégias que desenvolvam uma mentalidade mais sustentável na população. E finalmente ele aponta a necessidade de refletirmos sobre o sistema de ensino, sobre seu descompasso frente às transformações sociais e, portanto, sobre suas dificuldades no acompanhamento e adequação de acordo com as mudanças.

Mirian Vilela – ECI – UPeace
Mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard, brasileira radicada na Costa Rica desde a década de 1990, Miriam Vilela introduz sua apresentação indagando quais seriam possíveis processos de aprendizagem voltados para uma educação mais formadora e não apenas informadora. O que é necessário para reorientar a educação em direção a uma maior consciência sustentável?
Assinalando um desenvolvimento semelhante ao de Pedro Roberto Jacobi para o processo de aprendizagem, quando este menciona as quatro etapas, “conhecer”, “fazer”, “conviver” e “ser”, Miriam Vilela destaca os seguintes estágios em uma educação de fato transformadora: a conscientização de valores, o conhecimento dos mesmos com profundidade, a aplicação e finalmente, ações em favor dos mesmos.
A palestrante propõe um tripé como base de apoio para a educação, calcado na responsabilidade ética com visão sustentável, em uma abordagem necessariamente sistêmica e não fragmentada de sustentabilidade, e na integração da lógica à emoção. Para que a educação seja de fato transformadora, é fundamental que a esfera sensível e afetiva do sujeito seja envolvida no processo de aprendizagem.
Nossa subjetividade como indivíduos que compõem uma sociedade determina prioridades, interesses e perspectivas particulares. No mundo, em um país, em uma organização, ou mesmo em uma família, estes elementos são diferentes. É essencial que eles sejam constituídos sem que percamos de vista nossa natureza coletiva, sem que deixemos de enxergar o “outro”, respeitando uma política de alteridade. Devemos conduzir nossas prioridades individuais em direção a um bem comum. Para que isto aconteça, existem três objetivos educacionais fundamentais. O primeiro diz respeito à conscientização dos problemas ambientais, sociais e econômicos. O segundo corresponde à aplicação de princípios e valores. O terceiro consiste em um convite para atuar em múltiplas instâncias tais como escolas, sociedade civil, setor privado, governos e no âmbito individual de cada cidadão.
Miriam Vilela é diretora da “Carta da Terra”, instrumento desenvolvido na década de 1990 que condensa valores discutidos em foros internacionais por especialistas de diferentes áreas. Estes reuniram esforços para relatar uma “carta” que servisse como marco ético em direção à sustentabilidade e um instrumento de educação para uma maior conscientização de nossas responsabilidades com o meio e com a alteridade. A “Carta da Terra” é também uma iniciativa de mobilização internacional, uma declaração de princípios éticos e sustentáveis, reconhecida pela ONU, por governos, empresas e ONGs nos cinco continentes.
Miriam Vilela encerra sua apresentação realçando a natureza sistêmica da “Carta da Terra” e seu empenho em defender o respeito e cuidado com a comunidade viva. Isto somente é possível na intersecção de três fatores: A integridade ecológica, a justiça social e econômica, e uma situação de democracia e paz.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Milton Santos, nos anos 70 antecipou a problemática atual que envolve homem e espaço, destacando este último como ponto nevrálgico nos conflitos da era pós-moderna. O autor enxergou os reflexos na geografia do planeta dos problemas que já se desenhavam naquele momento histórico. Em sua publicação Pensando o Espaço do Homem[1], discutiu as relações entre o ser humano e seu meio e definiu o espaço como a “soma dos resultados da intervenção humana”. Precisamos estar atentos, sermos flexíveis, nos transformarmos, e permanentemente reorganizarmos nossa sensibilidade e percepção de modo a nos adaptarmos às reconfigurações do mundo. Capra em 1882 também alertou para os riscos que o descompasso entre os avanços na compreensão da fisiologia do mundo e os modelos empregados nas práticas sociais, políticas e econômicas representava[2]. Hoje os conflitos entre o homem e o espaço se agravaram. O desenvolvimento da consciência humana não acompanhou os progressos científicos.
Os avanços tecnológicos do século XX provocaram mudanças radicais rompendo com as distâncias espaciais e temporais e favorecendo os deslocamentos e a transmissão da informação. Se a comunicação nos nossos dias é muito mais eficiente do que antes do advento das mídias digitais, se as distâncias não constituem mais uma barreira e não solicitam mais um intervalo de tempo para transmissão de informação, parece, contudo, que as tecnologias, a serviço de um sistema de consumo capitalista globalizado, podem constituir uma ameaça por sua capacidade elevada de manipular as massas em favor de seus interesses. As distâncias hoje não nos protegem mais de catástrofes provocadas diretamente ou indiretamente pela ação do homem, tais como o aquecimento global, os acidentes nucleares de Tchernobil e Fukushima. As guerras, os riscos futuros de escassez nos recursos hídricos, as projeções que alertam sobre a falta de energia e alimento, são uma realidade que não pode mais ser ignorada, são reflexos do desajuste na relação entre o homem e a alteridade, entre o sujeito e sua inserção dentro de um contexto de coletividade. A tecnologia empregada de forma indevida funciona como agente multiplicador dos efeitos negativos sobre o espaço. Ela não só agrava, mas também acelera a crise na relação entre o homem e o espaço. Dirigindo a produção para interesses distantes e minoritários, o individuo tornou-se estranho ao seu espaço, não se reconhece mais como pertencente a ele[3].
Não se trata aqui de negar os benefícios proporcionados pelos avanços tecnológicos, muito menos de fazer uma apologia das condições de vida no passado, quando as formas de comunicação aconteciam exclusivamente de modo direto, sem a intermediação da máquina. A alta tecnologia possibilita uma expansão de possibilidades e representa um ganho se empregada de forma a promover o bem estar da coletividade. Cabe aqui lembrar a colocação de Miriam Vilela que destaca a importância em se conduzir as prioridades individuais em direção a um bem comum.
As ciências exatas, humanas e biológicas têm se aplicado em investigar as causas das transformações na biosfera, das catástrofes naturais, das devastações e desastres ecológicos, do incremento da violência das cidades, da diminuição de recursos hídricos e energéticos, da miséria e do incremento de incidência de doenças psíquicas e emocionais. Se nossas atitudes são determinantes na configuração do espaço e nas relações estabelecidas com o meio e com tudo o que dele faz parte (o outro), as propostas sustentáveis estimulam a constituição de novas formas de apreensão e relação com o mundo, favorecendo reposicionamentos conceituais, culturais e de valores, para o alcance de uma expansão da consciência e dos afetos. Uma atitude sustentável depende de uma visão sistêmica e transdisciplinar com atualização permanente dos modos de ver, dos valores e das formas de interagir com o mundo.
Cabe aqui destacar a colocação de Milton Santos de que o homem para se reconhecer em seu espaço e consequentemente tornar-se cúmplice dele, deve participar de sua construção. A preservação pode ser entendida como uma forma de construção. Os argumentos de Pedro Roberto Jacobi ao propor a integração de quatro modos de abordagem na educação, quando salienta a importância em se pensar a educação no ambiente, se afinam com as colocações de Milton Santos. A educação “imersiva” traz vantagens consideráveis e pode ser mais explorada. Ela não só proporciona uma experiência direta do sujeito no ambiente, aspecto este que possibilita a formação de vínculos mais estreitos entre ambos, como também propicia uma situação de encontro e de troca com a alteridade. Talvez assim seja possível alcançar uma cumplicidade e uma relação de afetividade e de intimidade entre o sujeito, o meio e o outro, de modo que o sentimento de pertencimento do indivíduo dentro de uma esfera coletiva seja ampliado.
A necessidade urgente de transformação em direção à constituição de uma mentalidade coletiva mais consciente, generosa e sustentável está subordinada à educação. A emoção, conforme as colocações de Miriam Vilela com as quais compactuamos, é um elemento essencial na aquisição de valores e contribui de forma radical na apreensão de conteúdos e princípios de sustentabilidade. A experiência transformadora é a que emociona. Nas práticas educativas, é, portanto, essencial integrar o fator emoção à lógica e ao intelecto.
Esta constatação qualifica a arte como um recurso de valor que não deve ser negligenciado em programas de educação para um desenvolvimento sustentável. A experiência artística pode constituir um poderoso agente para expansão de uma consciência mais cidadã A força de uma obra artística se dá justamente na junção de seu caráter sensível e poético aos seus conteúdos e significados. Seu poder de transformação lhe confere também um caráter político-social.
Depois da segunda guerra mundial, a arte assumiu um compromisso ético e um papel de agente transformador em busca de alternativas de renovação que contribuem nos processos de evolução da consciência, para construção de um mundo mais generoso que preservasse o ser humano do sofrimento. Há uma necessidade fundamental em todo indivíduo de partilhar a experiência estética da humanidade. Em 1969, a publicação da UNESCO “Les arts et La vie” já chamava atenção para o papel da arte como agente transformador na sociedade[4]. Segundo esta, a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas estabeleceu que “todo indivíduo tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade e de desfrutar das artes” [5]. Para o historiador e crítico de arte inglês Herbert Read, a arte e a sociedade não são dissociáveis. Arte é uma força de coesão social cuja ausência poderia trazer um golpe fatal à civilização. Ele propôs “a arte pela educação” [6].
A arte, poderoso agente transformador da sociedade tem seu alcance ampliado quando abordada interdisciplinarmente. Integrada a programas educativos voltados para a apreensão de valores e para a adoção de uma postura sustentável, é uma alternativa de grande potencial. O artista é um proponente. Ao interpretar o mundo com sua percepção própria, ao materializar em sua obra sua subjetividade, transmite como vê este mundo, suas dúvidas, críticas e questionamentos, e provoca com isso reflexões que possibilitam mudanças de paradigmas, atualizações na compreensão das dinâmicas espaço-temporais e nas relações com o outro.
Arte e vida são inseparáveis. Se a arte está no quotidiano e se pronuncia frente aos desafios do seu espaço e do seu tempo, sustentabilidade hoje é um assunto que não pode estar fora da sua pauta. A inclusão de temas que relacionam arte, sustentabilidade e educação, tanto nos eventos voltados para a comunidade artística como para os promovidos pelos educadores e pesquisadores socioambientais, favorece o diálogo entre estas áreas, possibilita ações conjuntas e amplifica o potencial agenciador das mesmas.
Suely Rolnik defende a arte, forma de expressão, de produção de linguagem e de pensamento, como uma possível alternativa de agenciamento, contágio e transformação:
O exercício do pensamento/criação tem, portanto, um poder de interferência na realidade e de participação na orientação de seu destino, constituindo assim um instrumento essencial de transformação da paisagem subjetiva e objetiva. (ROLNIK, 2006, p. 3).
Um exemplo de produção artística que através da poética se propõe a investir na construção de uma consciência coletiva mais sustentável é o trabalho recente da artista espanhola Darya von Berner, Internation Cloud Flagi. A obra foi montada em janeiro 2012 no Palácio da Paz em Haia, na Holanda, local que abriga o Tribunal Internacional de Justiça, principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas, e o Tribunal Permanente de Arbitragem14. Trata-se de uma nuvem de verdade que se assume como bandeiraii. A artista investindo em favor de uma cultura de paz, reverte o significado territorial contido neste símbolo nacionalista que é uma bandeira, e propõe pensar o mundo de uma maneira mais holística e generosa, sem posses e sem fronteiras. A nuvem foi obtida com a ajuda de tecnologia inovadora de nebulização que envolve alta pressão para nebulização de água em micropartículas que flutuam no ar. O mastro emite luz de modo a aumentar a visibilidade das gotas de água. Tanto os significados contidos no trabalho, como sua concepção e estrutura física envolvem processos sintonizados não só com uma elevada consciência político-social, mas também ambiental e ecológica.

Darya Von Berner, International Cloud Flag Registros da obra em funcionamento na entrada do Palácio da Paz em Haia, Holanda, 2012. Fotografia de autoria e fornecida por Tom van Vliet, curador do projeto.



Nossa sugestão para os próximos eventos do C40 é incluir como tema de reflexão e de discussão, o tópico arte & sustentabilidade.
  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Editora Cultrix, 1982.
DEFOURNY, Vincent. Climate changes & education for sustainable developmentMaterial de apresentação fornecido pelo palestrante. 2011.
JACOBI, Pedro Roberto. Novos rumos da educação na sociedade do conhecimento e para a sustentabilidade. Material de apresentação fornecido pelo palestrante. 2011.
MASP. 6 bilhões de outros. Folder da exposição. 2011.
MEHROTRA, Shagun. Climate changes and cityes: knowledge for action. Material de apresentação fornecido pelo palestrante. 2011.
ROLNIK, Suely. Geopolítica da Cafetinagem [2006]. Disponível em: <http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Geopolitica.pdf. Acesso em 12/11/2010>.
SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Edusp, 2007.
UNESCO. Les arts et la vie. Paris: Imprimeries de Bobigny, 1969.
VILELA, Miriam. Valores e princípios para sustentabilidade. Material de apresentação fornecido pelo palestrante. 2011.


[1] SANTOS, 2007.
[2] CAPRA, 1982.
[3] SANTOS, 2007.
[4] UNESCO, 1969.
[5] Tradução nossa de: “Toute personne a le droit de prendre part librement à La vie culturelle de La communauté [et] de jouir des arts”. (UNESCO, 1969, p.9).
[6] Ibid.

[1] A “Carta da Terra” é instrumento desenvolvido na década de 1990 que reúne valores discutidos em foros internacionais por especialistas de diferentes áreas. Estes condensam esforços para relatar uma “carta” que servisse como marco ético em direção à sustentabilidade e um instrumento de educação para uma maior conscientização de nossas responsabilidades com o meio e com a alteridade. A “Carta da Terra” é também uma iniciativa de mobilização internacional, uma declaração de princípios éticos e sustentáveis, reconhecida pela ONU, por governos, empresas e ONGs nos cinco continentes.




[1] Diretora da “Carta da Terra”, Mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard, brasileira radicada na Costa Rica desde a década de 1990.
[2] Dirigente de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo.
[3] Representante do Departamento de Planejamento Urbano da “Graduate School of Art and Sciences” da Columbia University em Nova York.
[4] Representante da UNESCO em Brasília.
[5] Representando a Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz, UMAPAZ.

Nenhum comentário:

Postar um comentário