quarta-feira, 25 de julho de 2012

Boltansky - Les Archives du Coeur & Entre-temps

Les Archives du Coeur - Entre-temps
Vídeo instalação – Vídeo Entre-temps La Maison Rouge 2008
A obra ENTRE-TEMPS do artista francês Christian Boltanski exibida em São Paulo no Paço das Artes, faz parte da programação 2009, ANO DA FRANÇA NO BRASIL. A vídeo-instalação foi inicialmente concebida em 2003 para apresentação na Galerie Yvon Lambert em Paris. O trabalho em processo desde então, vem se desdobrando e adquirindo maior complexidade. Em 2005 o artista apresentou na Maison Rouge, a obra LE COEUR (O coração). Em 2008, também na Maison Rouge, o artista criou uma nova instalação para apresentação do vídeo ENTRE-TEMPS que ele intitulou LES ARCHIVES DU COEUR (Os arquivos do coração). O texto aqui apresentado se propõe a introduzir uma pequena reflexão crítica sobre esta instalação.
Cabe, antes de discorrer sobre o trabalho, situar o artista. Nascido em Paris no ano de 1944, Christian Boltanski é filho de uma tradição literária existencialista e de uma carga histórica dramática, na qual a sombra do Holocausto esteve sempre presente. Sem qualquer formação artística tradicional, ele começou sua produção em 1958, pintando telas em grandes formatos. Em 1969 realizou uma série de filmes experimentais com duração entre 20 segundos e 4 minutos, e produziu seu primeiro livro de artista. Ele se interessa não só pela imagem, mas também pela escrita, pelos objetos e pela hibridização dos meios para construção de instalações e espaços imersivos. Em 1972 participa da 5a Documenta de Kassel, e a partir de então é convidado a expor em museus e galerias estrangeiras e sua obra alcança projeção internacional. Foi convidado a participar da Bienal de Veneza e da 8a Documenta de Kassel. A relação entre identidade, memória, vida e morte compõem o tema de sua produção que até hoje se mantém muito ativa. É casado com a artista Annette Messager com quem vive até hoje em Malakoff, arredores de Paris. Ambos estão entre os artistas contemporâneos franceses mais conceituados da atualidade. Foi professor na “École Nationale Supérieure des Beaux-Arts”.
O vídeo ENTRE-TEMPS é projetado sobre uma cortina translúcida de plástico (aproximadamente 2,3m altura x 3,0m de largura, a 15cm do chão) que se movimenta suavemente com o sopro de um ventilador. O vídeo corresponde a uma seqüência de lentas fusões de fotografias antigas em branco e preto de retratos do artista, desde sua infância até os 60 anos. A resolução das imagens é rudimentar e muitas estão mal focadas. O resultado é uma pseudo-fotografia de identidade aparentemente inerte, que flutua instável pelo balanço do vento, cujas feições se apresentam em sutil e constante transformação.
Para a vídeo-instalação LES ARCHIVES DU COEUR (Os arquivos do coração) em 2008 na Maison Rouge, o artista elaborou um contexto mais complexo com apresentação do mesmo vídeo ENTRE-TEMPS.
Ao atravessar uma cortina preta na entrada e penetrar em uma sala ampla na penumbra, a pergunta inscrita na parede “Qui êtes vous?” (Quem é/são você/vocês?) estabelece um diálogo direto com o público. A subjetividade do visitante é abruptamente invocada, a esfera cognitiva acionada e a percepção aguçada. Há uma mudança radical na configuração do espaço, cuja fronteira é claramente marcada pela cortina. A situação habitual de ambiente coletivo é substituída por uma atmosfera insólita e intimista, na qual os aspectos sensórios visuais e sonoros são ricamente explorados. A presença de símbolos na obra do artista é uma constante. Ao expressar-se em texto, ele inicia o contato com o visitante recorrendo à abstração. Com a pergunta direta e analogamente complexa e rica de significados, Boltanski sacode a estrutura do visitante desarmando-o para propor uma intensa experiência sensória.
O visitante percebe ao penetrar no recinto, o som amplificado de um batimento cardíaco. Uma lâmpada incandescente e fraca, pisca no ritmo das pulsações. Ela provoca sombras nas paredes da sala que constituem imagens sonoras do coração do artista se propagando por todo o ambiente, carregadas de arquétipos armazenados no inconsciente universal da humanidade. As angustias e os medos presentes desde os primórdios da história da humanidade que a consciência da fragilidade e da efemeridade provoca, emergem com intensidade.
Nas paredes da sala, como se fossem fotografias ausentes, uma série de quadros de formatos variados que o artista chama de espelhos negros estão presos e revelam apenas a profundidade da sua superfície escura, as sombras e o reflexo da lâmpada sobre o vidro. Aqui não se trata da imagem, mas a ausência da mesma é que constrói um significado.
Um pouco mais adiante, encontra-se a projeção do vídeo ENTRE- TEMPS. O retrato do artista em sutil e constante transformação está contaminado com a vibração provocada pela sombra e luminosidade incerta e fraca da lâmpada sobre a superfície flutuante da cortina. A atmosfera da sala é de instabilidade e sonho. Boltanski cria com o conjunto uma situação insólita, onde o tempo em suspenso traz a memória para uma vivencia de presença no passado. Não há possibilidade de pausa ou captura.
Na saída, o visitante é convidado a gravar dentro de uma cabine o batimento cardíaco de seu coração, e a levar consigo uma cópia da gravação. O artista pretende continuar com estas gravações nos próximos anos de modo a ampliar ao máximo este corpo de batimentos cardíacos que ele deseja preservar contra a passagem do tempo.
O título entre-temps (entre-tempos) reforça o caráter ambíguo e imponderável do lugar que Boltanski propõe ao visitante para experimentação. Um lugar intermediário onde o tempo cronológico desaparece para dar espaço a um intervalo, um parêntese, um interstício, um tempo suspenso, paralelo de espera. O conjunto oscila dentro de uma zona híbrida e fronteiriça entre a realidade e a ficção, entre a memória e o esquecimento. O auto-retrato em transformação do artista mescla-se aos espelhos negros para constituir simbolicamente uma fusão da esfera particular e coletiva do indivíduo.
Existe um movimento, um sopro que emana deste lugar, sente-se a presença de algo frágil e ao mesmo tempo persistente. A luminosidade é tênue e instável. O clima é de mistério e estranheza. Todos estes elementos intensificam a apreensão do caráter nostálgico, efêmero e transitório da existência.
Boltanski procura explorar a sobreposição de sentidos através da união de dispositivos que estimulam a subjetividade e cognição aos aspectos sensórios da expansão do áudio e da imagem no ambiente. A sincronia obtida não só entre os aspectos visuais e sonoros, mas também com a resultante audiovisual associada aos aspectos simbólicos da instalação, amplia a força do trabalho. Não se trata de uma representação, mas da construção de uma composição onde a lógica e a sensibilidade são ativadas simultaneamente, potencializando a apreensão dos significados. LES ARCHIVES DU COEUR exalam uma densidade de significados que talvez só possa ser apreendida qualitativamente (BERGSON).
Até que ponto, ao envolver a participação do visitante no processo de criação artística, Boltanski não procura apenas ampliar o grau de ressonância deste público na sua relação com a obra, mas também fundir-se ele mesmo com o coletivo da condição humana? Não haveria aqui a manifestação de um desejo de pertencer e compartilhar, tão premente como a necessidade que o ser humano tem de se reconhecer como parte de alguma coisa e como identidade única?
A poética de Boltanski envolve erudição, sensibilidade e afeto. O artista aborda questões como a dor, a tristeza e a perda de modo extremamente delicado e profundo. O público envolvido com o calor que se desprende do trabalho, o acolhe e se dispõe a refletir sobre a realidade inquietante e assustadora que representam a fragilidade, a efemeridade da condição humana, a morte e o vazio.
Se recursos de tecnologia são utilizados para produção das imagens e do áudio, estes são rudimentares se comparados com as tecnologias avançadas empregadas atualmente por muitos artistas. Boltanski, com muita simplicidade e poucos recursos, subverte a máquina ao fazer uso dela para potencializar a expressão do maior diferencial que ele possui em relação a ela: a afetividade e o sentimento.
BIBLIOGRAFIA BOLTANSKI, Christian. Christian Boltanski. London, Phaidon Press Limited,
2001.
BOLTANSKI, Christian. Les modèles: cinq relations entre texte & image. Paris: cheval dáttaque, 1979.
BOLTANSKI, Christian; GRENIER, Catherine. La vie possible de Christian Boltanski. Paris: Éditions du Seuil, 2007.
NUIT BLANCHE PARIS 4 OCTOBRE 2008. Programme. Paris: Mairie de Paris, 2008.
OBRIST, Hans Ulrich. Boltanski, Christian and Luc. Intervieus. Vol 1. Milan: Editzioni Charta, 2003.
Internet (acesso em 02/07/2010)
http://www.tate.org.uk/modern/exhibitions/cinema/boltanski.htm
http://www.lecinematographe.com/programme- sept08/films/courts_mrejen_boltanski.html
http://www.webzinemaker.com/admi/m9/page.php3?num_web=36408&rubr=3&i d=261032
http://www.centrepompidou.fr/education/ressources/ENS-boltanski/ENS- boltanski.htm
http://www.arte.tv/fr/navigation/1182390.html

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