segunda-feira, 23 de julho de 2012

ARTE & ENTROPIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES



Monique Allain[1]


Resumo

A entropia, termo amplamente utilizado no contexto artístico é um conceito proveniente da segunda lei da termodinâmica e corresponde à indicação quantitativa de aleatoriedade ou desordem dentro de um sistema. Tendo em vista que a ciência afirma haver um grau crescente de entropia no universo em direção ao caos, um estudo sobre como a desordem se processa na arte e qual o seu papel torna-se relevante. Tomando como ponto de partida o significado do termo entropia hoje para o campo da ciência e da arte, apresento aqui uma reflexão introdutória sobre as relações entre mecanismos entrópicos e processos criativos. Alguns exemplos de procedimentos artísticos que reforçam ou combatem a entropia para construção ou destruição de campos de identidade, memória e temporalidade, tais como os utilizados no Suprematismo e no Dadá, são apresentados. Conforme esse ponto de vista, a entropia pode ser um parâmetro útil à compreensão das forças que influenciam a produção artística contemporânea.

Palavras-chave: arte contemporânea; entropia; processos criativos; arte e ciência; temporalidade.


Por que entropia?
O termo entropia vem da segunda lei da termodinâmica que observa nos sistemas fechados o aumento irreversível de desordem, a transformação da energia em formas que diminuem sua força de trabalho[2] (CAPRA, 1982). A entropia é uma indicação quantitativa de aleatoriedade. Existe um único e irreversível sentido temporal em direção ao caos e à desorganização:
O universo teria começado num estado plano e ordenado e teria se tornado granuloso e desordenado ao longo do tempo. Isto explicaria a existência da seta termodinâmica do tempo (HAWKING, 1988, p. 207).
Os avanços tecnológicos provocaram mudanças radicais na sociedade con­temporânea e permitiram a incorporação de um novo vocabulário e de novas linguagens. No entanto, boa parte dos problemas da nossa era se deve à forma de pensar mecanicista, que não condiz com os conhecimentos atuais da ciência, alcançados a partir da teoria da relatividade de Einstein[3] e pelas descobertas da física quântica. Os avanços sobre a compreensão da fisiologia do mundo não foram incorporados nas práticas sociais, políticas e econômicas, provocando um descompasso entre os progressos tecnológicos e a consciência humana (CAPRA, 1982).
Depois da segunda guerra mundial, a arte assumiu um compromisso ético e um papel de agente transformador, em busca de alternativas para a constituição de um mundo mais generoso que preservasse o ser humano do sofrimento. Uma relação se estabelece aqui entre arte e ciência e justifica a parceria de ambas para contribuição nos processos de expansão da consciência. Refletir sobre o papel da entropia e suas formas de expressão na arte torna-se relevante quando constatamos que este conceito, amplamente utilizado no contexto artístico, é utilizado para amparar cientificamente a afirmação de que o universo caminha para o caos. Talvez esta abordagem auxilie a compreender as transformações que sucedem no campo da arte, e a reconhecer o que é contemporâneo hoje.

A entropia no campo da ciência
A ciência se desenvolve em torno de um conjunto de teorias, na busca de sig­nificados e explicações para garantir a sobrevivência do ser humano e dar um sentido à sua existência. O progresso se faz com o confronto dessas teorias e com a necessidade de eliminar suas contradições (ZAMBONI, 2006). Cada descoberta exige um abandono de paradigmas anteriores para assimilação de novos conceitos. A ciência além de não ter inúmeras respostas, carrega verdades temporárias, posteriormente substituídas (ZAMBONI, 2006).
“[...] nossas noções comuns de realidade estão limitadas à nossa experiência comum do mundo físico e [...] têm de ser abandonadas sempre que ampliamos esta experiência” (CAPRA, 1982, p. 84).
A segunda lei da termodinâmica, ao apontar a irreversibilidade existente nos sistemas isolados, destaca a importância de preservá-los abertos. Na natureza eles se sobrepõem e/ou se conectam constituindo uma malha de outros sistemas de estruturas mais complexas. As células compõem os tecidos que constituem os órgãos e assim sucessivamente[4]. Um esvaziamento da energia de um sistema aberto pode propiciar a entrada de energia em outro. No século XVIII, o francês Lavoisier (1743-1794), considerado o pai da química, deduziu a lei da conservação da matéria que descreve muito bem este processo: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (LAVOISIER apud PINCELI, 2007). A necessidade de preservação dos sistemas abertos condiz com a tendência para hibridização em todas as formas de expressão do homem contemporâneo.
Para que uma nova ordem aconteça é necessário que ocorra antes uma revo­lução (ARNHEIM, 1974). A ação da força organizadora associada à ação da entropia dentro de uma rede de sistemas interligados e sintonizados possibilita a manutenção de um equilíbrio dinâmico nas constantes transformações. A comunicação entre os sistemas que compõem a rede tem, portanto um papel fundamental na preservação desta forma “sutil” de equilíbrio. Supõe-se que esse processo também se aplique às dinâmicas sociais e justifique a valorização que se dá hoje aos meios de comunicação. As mídias móveis provenientes dos avanços nas tecnologias digitais representam um poderoso avanço no sistema de comunicação. Elas transformaram a cultura e sociedade mundial ao transpor barreiras espaço-temporais, acelerar e multiplicar as trocas de informação. Existe com isso uma intensificação nas relações entre as culturas, uma troca maior entre sistemas com oxigenação dos mesmos e a preservação deste equilíbrio “sutil”. Deparamos-nos, no entanto com outra questão delicada: uma crescente globalização ameaça, ao dissolver as diferenças, pasteurizar a diversidade cultural.
A discussão sobre entropia é complexa. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, o universo caminha para o caos, para uma desorganização crescente até sua pulverização total e o vazio no final dos tempos. A lei da conservação da matéria de Lavoisier, válida para a natureza com seus sistemas abertos, não se aplicaria ao universo que teria sua energia sugada ao alimentar a troca da mesma entre esses sistemas (GREENE, 2001). Haveria uma perda pro­gressiva e irrevogável (CAPRA 1982), um sentido único para a seta do tempo.
Vilém Flusser aponta duas imagens para este avanço inexorável e para o es­gotamento do tempo: a roda e a flecha. A ciência atual tende a rejeitar a primeira, que serviu de base para a concepção mecânica do mundo, e apoiar a segunda, que ilustra melhor o processo entrópico. Mas ela ainda não consegue compreender e relacionar coerentemente a natureza do espaço-tempo no centro dos buracos negros com a entropia. Existiria alguma saída que nos poupasse deste fim apocalíptico previsto pela segunda lei da termodinâmica?
Não conhecemos os limites do universo e o que pode existir além de suas fronteiras. Outros universos?
Os buracos negros, um dos possíveis destinos finais das estrelas, trazem para si a entropia e ordenam o espaço pelo esvaziamento com sua força de atração. O que acontece com esta entropia que parece desaparecer do universo? Ela se perde pura e simplesmente como determina a irreversibilidade da seta do tempo? Stephen Hawking, em 1974, ao descobrir que os buracos negros brilham e, portanto, emitem radiação, concluiu que contêm entropia diretamente proporcional aos seus tamanhos.
De acordo com a teoria das supercordas proposta pelo físico Brian Green, professor na Universidade Columbia em Nova Iorque, cordas como as de um instrumento musical, muito menores do que o núcleo de um átomo vibram no interior da matéria. A vibração das mesmas é o que determina o surgimento de tudo o que existe e acontece no universo. Essa teoria unifica a relatividade geral de Einstein[5] com a mecânica quântica[6], e oferece aos físicos e matemáticos contemporâneos, a esperança de encontrar um caminho coerente para explicar como funciona o universo (GREENE, 2001).
Se os buracos negros emitem radiação como forma de energia, eles então se evaporam aos poucos trazendo de volta o que antes tinha sido sugado. Fica a dúvida se a informação contida nas coisas tragadas seria recuperada. Não temos esta resposta, mas Hawking acredita que pode haver uma maneira pela qual a informação ressurge. Os buracos negros teriam a capacidade de tornar o processo entrópico reversível? Seria possível recuperar uma memória perdida, controlar a seta do tempo em intervalos variados mesclando futuro com passado? Isto provocaria uma mudança muito grande na atual concepção do espaço-tempo. David Linch na série “Twin Peaks” talvez tenha procurado alcançar o “avesso da entropia” quando filmou os atores atuando ao contrário e inverteu novamente a cena na edição. O resultado causa no espectador um estranhamento espaço-temporal.
A teoria das supercordas abriu uma nova possibilidade: a de que o centro dos buracos negros, onde a princípio o tempo acaba, seja uma porta para outros universos onde um novo tempo começa (GRENNE, 2001). Há um aumento progressivo de físicos que acreditam na coexistência do nosso universo com uma infinidade de outros universos paralelos (KAKU, 2007), no entanto existem muitas controvérsias a respeito.
Penso que tal discussão reaviva o embate entre as imagens propostas por Flusser da roda e da flecha, e possibilita a inclusão de uma alternativa híbrida. Existe um ritmo no tempo. Mas este ritmo não é o de um tempo cíclico; talvez seja o de um tempo elíptico.

A entropia no campo da produção artística – seu papel e manifestações nos processos criativos
O homem sempre esteve em busca da imortalidade. Para combater a entropia ele usa a força organizadora do intelecto (CAPRA, 1982). Mas ao mesmo tempo ele segue seu instinto, impulso antagônico com o qual procura o equilíbrio e a simetria, situações entrópicas nos sistemas físicos. A intuição está ligada ao inconsciente enquanto que o intelecto ao consciente. Na concepção oriental, o conflito gera tensão entre ambas as pulsões, produz movimento e conduz a uma síntese (ZAMBONI, 2006).
[...] é bem possível que a principal característica do organismo vivo seja que ele representa uma anomalia da natureza em travar um penoso combate contra as leis universais da entropia retirando constantemente nova energia de seu ambiente (ARNHEIM, 1974, p.28).
Mas as implicações da questão entrópica vão além. As tendências e os valores ao longo da história são impermanentes. A redundância é necessária à assimilação de um novo conceito que se fortalece até alcançar maturidade. Ao mesmo tempo ele adquire rigidez, fato este que o impede de acompanhar o fluxo de vida e transformação. Ele então caduca e precisa ser desconstruído. É quando ocorrem as inovações. O erro, uma consequência da entropia, abre possibilidades para o surgimento de novos caminhos.
De um modo geral e simplificado, ao refletir sobre os procedimentos artísticos pode-se observar simultaneamente o uso de mecanismos entrópicos e a ação de uma força organizadora neguentrópica. O artista, ao fazer uso da inteligência e colocar uma intenção em seu trabalho age contra a entropia. Mas, dotado de uma visão de longo alcance, ele também utiliza mecanismos entrópicos para quebrar estruturas e valores estratificados na busca de novas possibilidades. Afinal, a sociedade para se adaptar às constantes mudanças que ocorrem no mundo precisa ser flexível, sofrer transformações e se adequar também. Além disso, permitir a ação da entropia através do uso da intuição e da incorporação do acaso nos processos de criação coloca o ato criativo dentro de uma esfera real de existência na qual devemos lidar constantemente com contingências não controláveis. Ao agir em diálogo com o meio externo, o artista se faz efetivamente presente no espaço-tempo ao qual pertence.
Procedimentos que envolvem mecanismos entrópicos e neguentrópicos são infinitos e as nuances dependem das circunstâncias do momento e das estratégias escolhidas para lidar com as diversas situações que se configuram. Múltiplas correntes se sobrepõem com tensões e movimentos divergentes decorrentes dos reflexos ocasionados por estas situações. O impulso criativo pode ser gerado ao mesmo tempo tanto pela vontade de romper com padrões ultrapassados e de se libertar de estruturas solidificadas como visando compor novas ordens. A variável está no grau de envolvimento de cada uma dessas forças e caracteriza as fases da história.
A noção atual de história da arte começa quando ela se vincula ao campo da linguagem na passagem do século XIX para o XX. As vanguardas no início do século XX, assumindo uma postura desconstrutiva, romperam com os ideais de uma arte pela arte e inseriram a produção artística dentro do contexto de uma realidade de vida, conectando-a com todos os campos que atuam na existência do ser humano. A pesquisa em arte não se restringiu apenas aos procedimentos, mas passou a envolver todo o processo artístico, a ser compreendida e analisada dentro de uma esfera interdisciplinar envolvendo, além da arte, todas as ciências.
A reprodutibilidade técnica da obra de arte e a perda de sua aura no século XIX promoveram o advento de uma cultura de massa. A elite não detinha mais exclusividade no acesso à esfera cultural. As massas exerceram um papel determinante nas transformações dos hábitos e costumes (BENJAMIN, 1994).
O futurismo é considerado um dos primeiros movimentos de vanguarda a utilizar como estratégia de pensamento conceitos da arte mídia e influenciar uma série de outros movimentos artísticos e literários subsequentes. Dentre eles, as vanguardas europeias, notadamente as francesas, tais como o Dadá e o Surre­alismo, que incorporam o objeto, a palavra, a fotografia e o cinema dentro de suas práticas, consolidando o início da tradição do artista multimeios.
A necessidade de movimentos de reconstrução em momentos históricos que sucederam guerras e revoluções estimulou a escolha preponderante de procedi­mentos artísticos que privilegiaram a ordem e a síntese. Tanto o Suprematismo[7] quanto o Construtivismo russo[8] podem servir de exemplo dessa situação. Perío­dos de repressão ou de acúmulos de tensões, ao contrário, promoveram o uso de procedimentos favoráveis à ruptura e à desconstrução, tal como o Dadá[9].
Malevich[10] rompeu radicalmente com a tradição formal ocidental ao introduzir o Suprematismo, hoje ainda vivo no campo da arte. Com o “Quadrado Negro” inaugurou sua pintura não objetiva, preparando o terreno para a crescente desmaterialização do objeto, característica muito presente na arte contem­porânea. As rachaduras provenientes do ressecamento da tinta testemunham as mudanças permanentes ocasionadas pela passagem do tempo, assunto determinante em sua obra. Seu interesse estava em transmitir dinamismo e energia, a transitoriedade, os deslocamentos e os ritmos através da sensação:
Para Malevich o suprematismo é a sensação cósmica, o ritmo do estímulo. Toda a realidade física, o mundo objetivo, torna-se movimento, cada partícula transforma-se em força motriz para a sensação (SIMMEN e KOHLHOFF, 2001, p. 45).
Se sua temática temporal envolveu conceitos entrópicos, sua obra, no entanto, caracterizou-se por um crescente rigor e síntese. O Suprematismo não estaria refletindo o sentimento de esvaziamento que tomou conta do ocidente no pós-guerra? Não haveria a procura pela ordem e limpeza, talvez uma esperança na reconstituição de um equilíbrio? As estratégias utilizadas pelo Dadá, ao contrário, exprimiam a revolta dos artistas com o absurdo da guerra e visavam romper radicalmente com os valores do sistema vigente[11].
O quadrado tornou-se o símbolo da modernidade e de uma linguagem artística voltada para a razão e para a abstração. Malevich semeou as condições para o aparecimento da arte minimalista (SIMMEN e KOHLHOFF, 2001). As obras de Carl Andre, Dan Flavin, Donald Judd são exemplos de uma produção voltada para a ordem, mas para uma ordem de natureza estranha, silenciosa. Os trabalhos talvez quisessem alcançar um estado de esvaziamento completo de entropia, um estado inerte, uma paralisia condizente apenas com a ausência de vida, um equilíbrio estático de morte. Muitos países ainda estavam de luto. A land art é um derivado do projeto minimalista. A land art confrontava a própria Terra utilizando uma linguagem também geométrica com grandes esculturas e desenhos no solo (DEMPSEY, 2003). Robert Smithson, um dos artistas mais proeminentes dessa corrente artística, procurava um espaço de pouca organização e nenhuma direção para seu trabalho, espaço que definiu de “entre o lugar e o não lugar” (WOOD et al, 1998). Ele sempre manifestou um interesse especial pelo conceito de entropia, pelos processos de autodestruição e de regeneração da natureza (DEMPSEY, 2003)[12].
Os avanços tecnológicos do século XX provocaram mudanças radicais nas rela­ções que o homem estabelece com seu meio, rompendo com as distâncias espa­ciais e temporais e favorecendo os deslocamentos e a transmissão da informação. A teoria de relatividade proposta por Einstein colocou em xeque os pressupostos newtonianos e evidenciou a estreita relação e interdependência entre espaço e tempo. O indivíduo precisou transformar-se, reorganizar sua sensibilidade e percepção de modo a se adaptar a esta nova configuração do mundo.
A produção contemporânea, sintonizada com a nova realidade espaço-temporal múltipla se caracteriza pela grande heterogeneidade nas ações artísticas e pela constituição de práticas que eliminam a materialidade do objeto em favor da virtualidade e abstração. A obra de arte não corresponde mais a um produto, mas é compreendida como um processo ou acontecimento, como ideia e informação. O uso de tecnologia na criação artística possibilita a construção de novas realidades sensórias espaço-temporais e reforça o entendimento de arte como processo. Esses procedimentos fazem com que o interlocutor se envolva mais ativamente e compartilhe da constituição da obra. Com a era digital as fronteiras entre os diversos meios se tornaram cada vez mais sutis e a hibridização dos mesmos ampliou ainda mais os recursos de linguagem na constituição de significados. As estratégias artísticas hoje objetivam ressaltar o confronto que se estabelece entre arte e vida. A técnica não é suficiente para qualificar uma obra. Utilizando uma linguagem coerente e criando dispositivos através do pensamento, o artista constrói um significado.
Portanto, uma relação que se pode estabelecer entre o artista e a entropia é o uso que ele faz dela de acordo com sua estratégia para lidar com a situação que se apresenta. Penso que seu principal objetivo é promover o movimento. Um conhecimento mais aprofundado dos mecanismos que envolvem os processos entrópicos favorece uma maior compreensão das transformações que conduziram à produção contemporânea. Isto é movimento.
Todavia a leitura e o entendimento dos processos entrópicos são interpretações que envolvem valores e subjetividades. O julgamento do que vem a ser entrópico ou não, é relativo e depende do ângulo de visão que se tem, da leitura que se faz acerca dos fatos em uma determinada situação. Se o novo, o não familiar, é visto como caótico e, portanto com alto índice de desordem, o grau varia conforme o ponto de vista do indivíduo que interpreta aquela situação conforme sua inserção no espaço-tempo. A não compreensão de uma nova ordem pode ser confundida e interpretada como ausência de coerência e significado. Somente depois, o distanciamento temporal dos fatos permite enxergar com mais clareza os pontos em comum que revelam um novo sentido a um conjunto de atos aparentemente desconectados e caóticos.
Capra sugeriu que a consciência poderia ser um aspecto essencial do universo a ser futuramente incluído na teoria dos fenômenos físicos (CAPRA, 1982).

A entropia como estratégia artística na construção de campos de identidade, memória e temporalidade
Tempo é entropia, mas também vivência do conhecimento. Flusser ressalta a ambiguidade deste fato, não só quando coloca a visão bergsoniana do tempo como princípio criador em confronto com a segunda lei da termodinâmica, mas também quando cita as visões de Heidegger[13], Kant[14] e Schopenhauer[15] (FLUSSER, 2007). O tempo também é a construção da identidade através da memória (SACKS, 1988):
[...] que tipo de vida, que tipo de mundo, de si mesmo, podem ser preservados em um homem que perdeu grande parte de sua memória e com ela sua situação e referência dentro do tempo? (SACKS, 1988, p.41)[16].
Mas, se a memória é tão importante para a constituição e reconhecimento da identidade, por que a entropia atuaria opondo-se a esta subjetivação? Existiria uma individualidade intrínseca ao sujeito, independente de suas referências? Talvez a entropia seja uma força antagônica necessária ao sujeito para que ele possa se reconhecer também como parte de um coletivo?
Christian Boltansky[17], artista francês dos anos 70, até hoje mantém uma posição de destaque na cena internacional de arte contemporânea, com um processo denso, rico e sensível, cuja costura se faz tanto pela temática quanto pela linguagem. Ao incorporar na sua obra falsos documentos, objetos e imagens de outras pessoas e mesclá-los com referências de seu próprio passado, procura esquecer-se de si mesmo, destituir-se de memória para alcançar uma universalidade, uma unidade maior. Dentre as categorias propostas por Christine Mello na qual a produção videográfica é analisada em função de suas “extremidades” como desconstrução, contaminação e compartilhamento, a obra de Boltanski pode ser compreendida como uma “contaminação do vídeo”. O artista reúne as mais diversas mídias e objetos banais para compor instalações de grande porte. Ao somar os sentidos do vídeo a de outras formas de expressão, a contaminação promove a construção de um discurso em que a ampliação e a tensão dos estímulos sensórios intensificam o potencial de vivências no circuito expositivo. Isto ocorre quando o vídeo torna-se parte integrante na construção de ambientes instalativos. A partir de uma intenção precisa[18] ele utiliza procedimentos entrópicos de hibridização, de desorganização das informações e dos fatos, de homogeneização da condição humana ao compor uma identidade coletiva. Boltanski atua nos interstícios, nas regiões de fronteiras, explorando o confronto entre polaridades de modo a constituir situações insólitas cujo estranhamento conduz à reflexão. A exploração da tensão entre luz e sombra, entre imagem e signo, com incorporação destes elementos ao espaço arquitetônico para construção de lugares sensórios que rompem com a relação espaço-temporal habitual, tornam-se uma marca registrada em sua obra. O título de uma de suas videoinstalações “entre-temps” que tanto pode significar “entre tempos” como “enquanto”, destaca o seu interesse pelas situações intermediárias. Ele se refere a um espaço temporal de interstício, a um tempo paralelo resgatado e vívido de espera[19], uma suspensão e expansão temporal. (BOLTANSKI, 2001). Essa estratégia dissolve a percepção da dimensão do tempo e conduz a um estado de presente ampliado, de existência em um tempo gerúndio. O indivíduo nessa condição deixa de ser um espectador que assiste do lado de fora a um acontecimento. Ele está dentro e faz parte do processo. Não seria essa a condição máxima de experiência de vida?
Nos primeiros trabalhos, a intenção era falar sobre minha infância, mas agora mi­nha verdadeira infância desapareceu. Venho mentido sobre ela com tanta frequência que já não tenho mais uma memória real deste tempo, e para mim esta infância se tornou universal, não mais real. Tudo o que se faz é fingimento... Realmente acredito que não sou ninguém. Se você trabalha como artista, você destrói a si mesmo. Quanto mais você trabalha, menos você existe; e a cada vez que você dá uma entrevista, uma parte de você desaparece. Parece horrível, mas isto também pode ser uma boa coisa, já que é mais fácil fazer arte do que viver. Trata-se de uma escolha pessoal (BOLTANSKI, 2001, p.8)[20].

Retratos de Ausências
O projeto “Retratos de Ausências”, tanto no que diz respeito ao tema quanto nos procedimentos, aborda questões entrópicas apontadas anteriormente no texto. Ampliações de pessoas no Brasil conectadas via Skype e fotografadas com câmera digital durante residência na Cité Internationale des Arts, em Paris, entre agosto 2008 e janeiro 2009, são reunidas para constituir uma galeria destes “Retratos de Ausências”. As imagens foram manipuladas no computador, xerocadas e transferidas em placas de cobre para gerar uma gravura. Os resíduos ao longo do processo de transferência e impressão foram incorporados digitalmente. Uma nova imagem transfigurada pelas sucessivas etapas no percurso da informação é gerada e constitui uma metáfora da memória e do esquecimento resultantes do afastamento espacial e temporal entre o sujeito que constitui a imagem e aquele que está sendo evocado.
Monique Allain
Vivian, 2009
Ampliação de imagem transmitida por Skype, fotografada com câmera digital, e manipulada com processos de gravura em metal e computação.




Monique Allain
Regina, 2009
Ampliação de imagem transmitida por Skype, fotografada com câmera digital, e manipulada com processos de gravura em metal e computação.




Os avanços da tecnologia digital e seu uso crescente no cotidiano do indivíduo comum provocaram intensas transformações na dinâmica das relações entre corpo, espaço e tempo. O trabalho “Retratos de Ausências” se propõe a subverter poeticamente essa dinâmica. Uma imagem que antes testemunhava a presença e portanto o contato direto do sujeito que fotografava com a situação retratada, hoje pode ser gerada a distância. O hiato espacial entre ambos constitui uma área passível de interferências e formação de ruídos com consequentes deformações na informação. Uma analogia pode ser feita ao considerar um acontecimento e a recordação do mesmo. A distância temporal entre ambos provoca transfigurações na lembrança. Como estratégia para ampliar o potencial de apreensão dos significados da obra houve a intenção de se criar imagens que reunissem conteúdos simbólicos e estéticos densos, estimulando concomitantemente a cognição e a percepção sensória. Os interstícios, espaços intermediários híbridos e de transição, são regiões estreitas, mistas e contaminadas, que por estarem situadas nos limites entre territórios que se confrontam, constituem zonas de tensão, zonas vibrantes de comunicação e transformação. Os retratos refletem a busca por um espaço desta natureza, um lugar entre a memória e a entropia onde tanto o que une como o que diferencia o indivíduo dos seus semelhantes na condição humana está simultaneamente presente.

O presente ampliado – A expansão do tempo presente na produção artística
A dramaticidade do tempo é dada não só pela certeza da morte, mas também pela impossibilidade de abarcar a totalidade das coisas que desejamos. A cada instante abrimos mão de todas as possibilidades que vislumbramos, com exceção das escolhas que fazemos (FLUSSER, 2007). A história é uma pálida representação de uma fração de tempo consumido pela entropia.
A ação simultânea das forças entrópica e auto-organizadora provoca tensão e gera movimento. A procura intuitiva e sensível do equilíbrio e o uso do intelecto no combate à estagnação são atitudes contrárias usadas nos processos de criação. O passado é deixado para trás sem que o futuro seja alcançado. Abre-se assim o espaço do tempo presente ampliado.
Ampliar o presente[21] talvez seja uma forma de modular a existência. A rigidez e irreversibilidade do passado confrontada ao caos futuro anunciado, determinam um campo suspenso de temporalidade. Smithson enfatiza a importância do tempo presente ao criticar o museu e compará-lo a uma tumba (SMITHSON, 2007). Ele relaciona o trabalho de vários artistas Minimalistas[22] com a entropia[23]. Esses artistas produziram o que chama de “analogias visíveis” para a segunda lei da termodinâmica, contra e a favor da entropia. Os materiais sintéticos empregados cortam os vínculos com o passado e pela efemeridade não se projetam para o futuro (SMITHSON, 1966). Eles estão em um espaço “entre” de presente ampliado que pode ser apreendido como um intervalo de vácuo, um tempo que procura a nulidade da entropia pelo seu estado de esvaziamento, suspensão e imobilidade. O caráter entrópico é ambíguo. Se a estrutura objetiva e serial é resultante de um tipo de organização muitas vezes aparente, organizações podem esconder desordens maiores com um grau de entropia mais elevado (ARNHEIM, 1974). Por exemplo: o automatismo e a indiferença são manifestações entrópicas (FLUSSER, 1983). O banal proveniente de um ato intencional pode sugerir uma ordem sem sentido e refletir o estado de choque e desânimo característico do pós-guerra. Percebo esse espaço organizado como a morte em si, condição de equilíbrio máximo em função da ausência e imobilidade. Resta um consolo: de acordo com a mecânica quântica, esta é a condição mais receptiva à formação de uma nova ordem. É a condição de máximas possibilidades.

Entropia – Um parâmetro
Tempo é deslocamento. Entropia é deslocamento.
A relação entre entropia e arte é um assunto amplo que instiga a um aprofundamento futuro. Neste texto coloco minhas primeiras abordagens sobre o tema. Uma conclusão básica possível que se assemelha mais a uma introdução é a constatação de que a entropia, assim como o movimento, são parâmetros úteis para se abordar uma questão. Analisar a história sob variados pontos de vista, facilita a identificação das forças que atuaram e que interferem hoje nos seus rumos.
Toda arte tem intrinsecamente um determinado grau de entropia. Mas, ao buscar formas de quebrar a segunda lei da termodinâmica e desorientar o sentido natural da seta do tempo dentro de uma determinada vivência, o artista propõe uma realidade nova, outra dimensão para a relação espaço-tempo. Sua proposta não é refletir sobre a irreversibilidade desse tempo, mas viver um novo tempo, um tempo subversivo, um presente ampliado que pode ser estático ou dinâmico. O estático é um tempo anestesiado que contém a morte. O dinâmico, apesar de suspenso, vibra, movimenta-se, contém a vida.
Ao apresentar sua obra o artista demonstra uma necessidade de compartilhar suas inquietações. Mas a vivência de um presente ampliado com o público não pressupõe um gesto de generosidade. Talvez indique uma necessidade básica de não querer estar só dentro deste estranho “espaço” que é o tempo. Penso que possivelmente revela sua consciência ou desejo de pertencer a algo maior. Uma comunidade constitui uma estrutura orgânica como um todo[24] (CAPRA, 1982). O ser humano é um ser gregário.
Talvez no futuro a ciência proponha uma nova teoria ou comprove que a teoria das supercordas não corresponde à realidade. No entanto, uma analogia entre os buracos negros e a inquietação que leva o artista a criar, parece-me sedutora hoje. Ambos envolvem algo insondável.

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SRICKLAND, C. Arte Comentada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
STANGOS N. Conceitos da Arte Moderna.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
WOOD, Paul; FRASCINA Francis; HARRIS, Jonathan; HARRISON, Charles. Modernismo em disputa: a arte desde os anos quarenta. Cosac & Naify, 1998.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.


Monique Allain é artista, educadora e pesquisadora, mestre em Artes Visuais pela FASM-SP, bacharel em Artes Plásticas pela FAAP-SP (2007), formada com Licenciatura em Ciências Físicas e Biológicas (1980), e pós-graduação em Genética (1982) pela USP-RP. Trabalhou como consultora ambiental antes de dedicar-se à produção artística. Investiga as relações entre corpo, espaço e alteridade dentro de uma concepção sustentável. Trabalha com vídeo e fotografia e realiza intervenções, performances, ocupações e instalações (email: m.allain@uol.com.br).
[2] Como luz e calor.
[3] Em 1905, Einstein publicou a teoria especial da relatividade cujo princípio se apoia no caráter subjetivo de toda medição do espaço e do tempo. O tempo se tornou um conceito subjetivo, de quem o está medindo. Suas pesquisas o conduziram à teoria geral da relatividade, publicada em 1916. Uma das principais consequências do advento dessa teoria foi a compreensão de que a massa nada mais é do que uma forma de energia. Essa descoberta modificou o conceito de matéria e de partícula. As partículas subatômicas que compõem a matéria correspondem a entidades quadridimensionais no espaço-tempo (CAPRA, 1982).

[4] Corpo, sociedade etc.
[5] Procura compreender os mecanismos que atuam no cosmos.
[6] Moléculas, átomos e partículas subatômicas.
[7] “Suprematismo (do lat. supremus, supremo), nome dado por Malevich ao estilo não objetivo desenvolvido a partir de 1915, cuja forma básica é o quadrado. O novo símbolo reproduz sensações espontâneas. As sensações são suscitadas unicamente pelo efeito das formas geométricas puras, ou seja, das formas abstratas. O suprematista ‘sente’ a arte, não a observa” (SIMMEN e KOHLHOFF, 2001, p. 93).
[8] Enquanto Malevich formulava o Suprematismo, Tatlin iniciava o movimento construtivista com suas primeiras construções, configurando o estilo russo de maior destaque seis anos depois. Ao contrário de Malevich, Tatlin acreditava que a arte tinha um compromisso social e político (DEMPSEY, 2003).
[9] Dadá foi um movimento, inicialmente literário, fundado em 1916 por artistas e intelectuais de diferentes nacionalidades que se exilaram em Zurique, na Suíça, por serem contrários ao envolvimento de seus países na Primeira Guerra Mundial. Pretendiam expressar suas desilusões com a ciência, a filosofia e a religião, que não tinham conseguido evitar a destruição que ameaçava a Europa. Tristan Tzara, poeta húngaro que fazia parte do grupo, escolheu esse nome abrindo um dicionário e nele procurando aleatoriamente uma palavra nonsense. A palavra dada era apenas um símbolo de revolta e indignação. Com isso queriam dizer que a guerra tinha instaurado o irracionalismo no continente e que portanto a arte tinha perdido o sentido. Protestavam contra a loucura, o nonsense da guerra. Dez milhões de pessoas foram massacradas ou ficaram inválidas. O movimento durou sete anos.
[10] Ele foi um dos primeiros artistas a se aproximar da vida real em sua pintura, contribuindo para o desenvolvimento do retrato psicológico.
[11] No dadaísmo, o protesto foi levado às extremas consequências da negação absoluta da razão. Os dadaístas propuseram, já que não se podia mais confiar na ordem estabelecida e na razão, que a “criação” se libertasse das amarras do pensamento lógico, revelando apenas o automatismo psíquico através de procedimentos de seleção e de combinação de elementos. Buscavam também acordar a imaginação, a criatividade. A intenção foi mais de sátira e crítica do que estética, uma vez que tinham como mote a denúncia e o escândalo. A negação era contra tudo que estivesse relacionado às tradições e aos costumes da sociedade, sendo também a arte um produto desta sociedade a ser renegada em sua totalidade. Não criavam obras. mas fabricavam objetos. Por isso, apesar das semelhanças com os expressionistas, foram muito além. Subverteram a autoridade e cultivaram o absurdo. Dadá era antiartístico, antiliterário, antipoético. Queria romper com as leis da lógica, com a imobilidade do pensamento. Valorizava a contradição, a anarquia e a imperfeição. Era também antagônico ao modernismo, tido como uma nova cristalização do espírito. Os dadaístas negavam qualquer escravidão, sobretudo a de Dadá sobre Dadá. Defendiam essa postura de incessante dinamismo da liberdade, de negação contínua de si mesmo, uma postura contrária à estagnação. Não era mais a obra que interessava e sim o gesto como provocação contra o bom senso, a moral e os costumes. O movimento se estendeu para muitos lugares tais como Paris, Nova Iorque, Berlim, Hanover, Colônia, Londres, San Francisco, Moscou, Budapeste, Tóquio e Barcelona, assumindo um caráter internacional. Dadá foi a expressão da vontade desesperada de afirmação do indivíduo como ser livre, num mundo policiado em que as regras conduziram diretamente à catástrofe (ARGAN, 1992; DE MICHELI, 2004; DEMPSEY, 2003; ELGER, 2004; RUHRBERG, 2005; SRI­CKLAND, 2004; STANGOS, 2000; WOOD, 1998).
[12] Smithson realizou um projeto de recuperação da natureza através da arte com sua obra mais famosa, “Quebra-mar em espiral”, de 1970, condenada no futuro a desaparecer por ação desta mesma natureza.
[13] Tempo como maneira da existência se impor.
[14] Tempo como uma maneira da razão conhecer a “coisa em si”.
[15] Tempo como manifestação da vontade.
[16] Tradução a partir do seguinte trecho em francês:“[...]quelle sorte de vie, quelle sorte de monde, de soi, peuvent être préservés chez un homme qui a perdu une grande part de sa mémoire et, avec elle, son passé et son encrage dans le temps?”.
[17] Filho de uma tradição literária existencialista e de uma carga histórica dramática na qual a sombra do Holocausto esta sempre presente.
[18] E, portanto, de uma força organizadora.
[19] Flusser em seu texto “Nossa Espera”, ressalta as mudanças ocorridas na sociedade pós-industrial no que diz respeito ao tempo de espera. O tempo da paciência e da espe­rança não existe mais. Ele foi substituído pelo tempo do tédio e do vazio, uma miniaturi­zação da morte, um tempo de abismo.
[20] Tradução a partir do seguinte trecho consultado em inglês: “[…] In my early work I pretended to speak about my childhood, yet my real childhood had disappeared. I have lied about it so often that I no longer have a real memory of this time, and my childhood has become, for me, some kind of universal childhood, not a real one. Everything you do is a pretence… I really think I am nobody. If you work as an artist, you destroy yourself. The more you work, the less you exist; and each time you do an interview a part of yourself disappears. It seams awful, but it can also be a good thing, since it is easier to make art than to live. It´s a choice one makes”.
[21] Mas se o presente ampliado é imóvel, ele traz consigo a angústia da morte.
[22] Classificação adequada ou não.
[23] Tais como Donald Judd, Robert Morris, Sol LeWitt e Dan Flavin.

[24] As formigas e as abelhas compõem um grande organismo de muitas criaturas.

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